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José Francisco de Lima Gonçalves

O mercado financeiro faz uma aposta correta em Jair Bolsonaro? NÃO

Ingenuidade e resignação

O candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL), durante sabatina no jornal Correio Braziliense, em junho - Pedro Ladeira - 6.jun.18/Folhapress

Jair Bolsonaro personifica uma tentativa de negação do que foi o Brasil nos anos recentes. A insatisfação generalizada que começou a se manifestar em 2013 ganhou ímpeto com a eleição de 2014 e com seus desdobramentos, desde o "terceiro turno" até o estelionato eleitoral.

O processo de impeachment de Dilma Rousseff, coincidindo com o auge político da Operação Lava Jato, criou e foi nutrido pela expectativa de que, sem Dilma e sem o PT, tudo "daria certo".

Assim, a "ponte para o futuro" seria a agenda de um frágil, embora profissional, governo que entregou apenas a mudança na legislação trabalhista, dado que o teto do gasto público está condenado a profundas alterações.

Ademais, a fragilidade política do governo Temer impôs, não o corte, senão que a expansão, do gasto público, consolidando a supremacia da Câmara sobre o Executivo que se iniciara no governo anterior.
A reforma da Previdência, a maior bandeira da equipe econômica e abençoada pelos participantes do mercado financeiro e de outros segmentos relevantes, mal começou a tramitar e foi abortada, em processo que não permite contrafactuais. O fato é que não passou.

Por outro lado, a queda da inflação, esgotados os efeitos dos choques, consolidada pela recessão, viabilizou a queda dos juros e alguma recuperação da renda real. Economia estagnada com inflação baixa. Reservas internacionais inéditas e conta corrente confortável. A crise fiscal, finalmente, e a incerteza que inibe decisões de produzir e de investir configuram o coração do problema, o coração que precisa de espaço para respirar: a política.

Bolsonaro personifica também, em plano mais profundo, uma tentativa de negação do que foi o Brasil desde os anos 1950. Não uma negação pela superação, mas pela tentativa explícita de volta ao passado.

Aqui a crítica ao país da "meia entrada", tão aceita pelo senso comum, tornou-se o desmonte do crédito subsidiado e da legislação trabalhista.

O mercado financeiro comprou as duas personificações. Desta vez, sem o PT, tudo "dará certo". E aí começam os problemas. Pois Bolsonaro personifica igualmente traços políticos, éticos e morais indissociáveis entre si.

São eles o corporativismo, o oportunismo, a renúncia ao diálogo, o vazio de planos, os desencontros entre alegados princípios liberais e visíveis práticas personalistas, o espaço político sem a prática política.

O mercado financeiro não faz juízo de valor. Bolsonaro servirá se desempenhar as duas primeiras personificações. A terceira, porém, deverá ser um dificultador de tal serventia.

Não há programa econômico, não há equipe. A eventual coordenação política adianta sinais contraditórios sobre temas caros ao mercado: privatizações, reforma tributária.

A renovação no Congresso implicará a desarticulação dos questionáveis processos decisórios criados nos últimos 30 anos. E seus novos membros ou não têm ideia do que seja aquele espaço ou não trazem tanta novidade. Ademais, haverá oposição. E, do outro lado da Esplanada, o Judiciário e seu transformado funcionamento.

Rupturas envolvem riscos e exigem competência e convicção. Conversões tardias são frágeis.

Dr. House, icônico personagem da série de televisão, cunhou frases que se tornaram célebres. "People don't change" (as pessoas não mudam) é uma delas. "Everybody lies" (todos mentem), outra.

José Francisco de Lima Gonçalves

Economista-chefe do Banco Fator, professor do Departamento de Economia da FEA-USP e mestre e doutor em economia pela Unicamp

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