Descrição de chapéu

Sem começar do zero

Programa econômico de Bolsonaro deveria aproveitar projetos de reformas com análises mais amadurecidas

Paulo Guedes, economista e consultor da campanha de Bolsonaro - Daniel Ramalho/AFP

Na reta final da disputa pelo Palácio do Planalto, a equipe do candidato que lidera com folga as pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), ainda trabalha na confecção de uma agenda econômica que terá de responder a desafios imediatos.

Nem mesmo se sabe se o presidenciável, que não participa de debates, tem pleno conhecimento dos planos em estudo. Ademais, certas manifestações de seu principal assessor, Paulo Guedes, suscitam dúvidas quanto à escolha das batalhas a serem travadas para o reequilíbrio das finanças públicas.

Tome-se como exemplo o intuito declarado de eliminar a destinação obrigatória de receitas a determinadas áreas, notadamente educação e saúde. Hoje, pela regra provisória do teto fixado para os gastos, a União é obrigada a repassar a essas áreas o montante do ano anterior corrigido pela inflação.

Já estados e municípios devem aplicar em saúde, respectivamente, 12% e 15% das receitas principais; para o ensino, são 25%.

A equipe de Guedes, pelo que se divulga, pretende trabalhar com o conceito de Orçamento base zero, em que as despesas são reavaliadas a cada exercício, sem o pressuposto de permanência de todos os programas de governo.

Em princípio, tal objetivo é meritório. Em circunstâncias ideais, a análise da lei orçamentária pelo Congresso deveria contemplar prioridades renovadas pelo debate democrático, e não ditames cristalizados no texto constitucional.

Na prática, o cenário se mostra mais complexo. Se desvincular receitas pode ser o objetivo final de uma ampla reforma orçamentária, mais urgente é fechar os grandes ralos de recursos —a Previdência Social e a folha de pagamentos, que juntas representam 70% dos gastos federais não financeiros.

Sem conter a escalada de desembolsos com salários e aposentadorias, haverá achatamento dos aportes às demais áreas, o que tende a gerar tensões políticas e sociais.

No campo tributário, a precipitação parece mais evidente com a ideia de instituir uma espécie de imposto único federal (que substituiria vários tributos atuais), incidente sobre transações financeiras.

Tal proposta deixa de lado estudos e negociações acumuladas há anos entre técnicos, congressistas, prefeitos e governadores —para nem mencionar a experiência internacional. Há caminhos menos incertos, como a criação de um imposto sobre valor agregado no lugar das múltiplas taxações que hoje recaem sobre o consumo. 

Qualquer governo tem capital político limitado. Deve, portanto, começar pelo mais importante e viável. Há projetos de reformas em estágio avançado de discussão, capazes de produzir expressiva melhora no ambiente econômico. Sem prejuízo da inovação, essa herança não deve ser desperdiçada.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.