Descrição de chapéu

Virtuoses amordaçados

Uma revoada de instrumentistas busca refúgio e posições no Brasil e nos EUA

 Gustavo Dudamel durante apresentação em Caracas, em fevereiro de 2014
Gustavo Dudamel durante apresentação em Caracas, em fevereiro de 2014 - Jorge Silva - 15.fev.14/Reuters

Se alguém ainda nutre dúvidas sobre o desastre humanitário da ditadura de Nicolás Maduro, notadamente entre petistas imunes ao drama dos refugiados venezuelanos, que considere a tragédia da Orquestra Simón Bolívar. Mais de 80% dos integrantes evadiram-se do país, informa reportagem desta quarta-feira (24) na Folha.

Os motivos que levam os virtuoses a abandonar esse que já foi um dos mais admirados grupos de música erudita do mundo não diferem dos vividos pelos compatriotas que cruzam a fronteira para viver nas ruas de Roraima: absoluta ausência de perspectivas em meio à catástrofe social e econômica produzida pelo regime chavista.

A ela se soma a repressão política, dado que o ditador fez minguarem os recursos estatais. Uma revoada de instrumentistas busca refúgio e posições no Brasil e nos EUA.

A orquestra venezuelana nasceu de um ambicioso programa, El Sistema, que emprega o ensino de música para melhorar a vida de jovens. Iniciado em 1975, o projeto já acolheu e formou 2,5 milhões de meninos e meninas, a maioria de famílias de baixa renda.

Um deles, Gustavo Dudamel, veio a ocupar o posto de regente da Simón Bolívar e conquistou fama mundial. Ele conduz hoje a Filarmônica de Los Angeles —e de lá se tornou o pivô da crise que se abateu sobre seu grupo de origem.

Em julho de 2017, Dudamel escreveu para o jornal espanhol El País artigo com críticas ao governo Maduro. Pedia a suspensão da Assembleia Constituinte projetada para usurpar a autoridade do Legislativo de maioria oposicionista.

O maestro reagia à repressão violenta de manifestantes por militares e milícias chavistas. “Penso em todas as vítimas mortas nesses meses com grande angústia e dor; não podem imaginar o quanto meu país me dói”, escreveu Dudamel.

Segundo membros foragidos da orquestra, foi o quanto bastou para cessarem os repasses de fundos governamentais. Desde então, Dudamel não mais retornou a seu país, aparentemente por temor de retaliações comandadas por Maduro.

Mal comparando, seria como se o governador paulista a se eleger domingo (28) decidisse cortar o apoio à Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) em represália à assinatura, por um seu dirigente, de manifesto político contra o candidato a presidente favorecido pelo eleito.

Gestos de tamanha truculência e mesquinhez mostram como o abandono da democracia não se dá apenas com quarteladas.

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