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Jed. S. Rakoff

Como se muda a cultura corporativa?

Alterações nas leis americanas não surtiram efeito esperado

O juiz Jed Rakoff, da corte de Nova York, que julga processo de investidores contra a Petrobras - Justin Maxon - 21.ago.09/The New York Times
Jed. S. Rakoff

Nos Estados Unidos, pessoas de negócios são, geralmente, honestas. Mesmo assim, o país não escapou de repetidos casos de fraudes em larga escala e, embora sejam ocasionalmente cometidas por apenas um indivíduo (Madoff, por exemplo), mais frequentemente elas envolvem grandes corporações (Enron e WorldCom).

Normalmente, essas fraudes se aproveitam de períodos de euforia do mercado e, geralmente, só são expostas quando o mercado entra em colapso. Isso levou agências governamentais e legislaturas nos EUA a considerar como tornar a “cultura corporativa” mais ética, a fim de evitar esse ciclo. Porém, na minha opinião, a maioria das reformas teve apenas um efeito modesto, e alguns aspectos dessas mudanças, na realidade, podem ter aumentado o risco de má conduta corporativa.

Uma abordagem incorporada na lei americana Sarbanes-Oxley, de 2002, tem sido a de impor maiores obrigações aos conselhos de administração para monitorar a atividade dos executivos. Porém, desde que a lei foi aprovada, é difícil encontrar exemplos de conselhos nas companhias que tenham tomado a iniciativa de conter o excesso de executivos, ao contrário de apenas reagir quando esse excesso é exposto, como a Uber.

A razão para isso não é apenas que os membros de conselhos normalmente devam sua seleção aos próprios executivos que devem monitorar, mas também porque esses mesmos executivos controlam amplamente as informações que são passadas aos conselhos.

No outro extremo, o Departamento de Justiça dos EUA tem estado ocupado, na sequência da crise financeira, em impor sanções criminais às instituições bancárias que se envolveram em práticas duvidosas na comercialização de títulos lastreados em hipotecas. Essas sanções consistem, geralmente, em multas elevadas e na exigência de medidas de conformidade mais aprimoradas. Porém, quanto às multas, mesmo que sejam pagas por acionistas que eram totalmente inocentes da má conduta, não há razão para acreditar que seriam vistas pelos bancos acusados como algo além do custo de fazer o muito, muito lucrativo e legalmente duvidoso negócio no qual estavam previamente envolvidos.

E quanto às medidas de conformidade, elas parecem ser vistas pelos funcionários a quem são impostas não como ideais que eles devem tentar adotar, mas como burocráticas listas de verificação que são, na maioria das vezes, uma perda de tempo. Em qualquer caso, o simples fato que importa é que a longa lista de bancos e corporações que foram objetos de tais sanções se viu novamente envolvida em novos desvios de conduta, geralmente em questão de poucos anos.

Como esses dois exemplos muito diferentes ilustram, não é tão fácil mudar uma cultura corporativa que deu errado. Eu sugeriria que alguns aspectos menos notados nos últimos anos tornaram isso ainda mais difícil. Um deles tem sido a habilidade cada vez menor dos advogados em aconselharem as corporações a dizerem “não” para aventuras duvidosas nos negócios.

Até cerca de 1970, a maioria das grandes empresas nos Estados Unidos possuíam uma relação duradoura com suas firmas de advocacia externas, o que permitia que os escritórios de advocacia se sentissem à vontade para recusar a aprovação de propostas juridicamente duvidosas.

Porém, em reação ao preço elevado do advogado externo, as empresas passaram, cada vez mais, a criar suas próprias equipes jurídicas internas, chefiadas por um diretor jurídico que, por ter seu emprego dependente dos próprios executivos a quem se reportava, achava muito mais difícil dizer “não” do que os advogados externos achariam.

Enquanto isso, os advogados externos, sem a certeza de que continuariam a manter negócios com a corporação-cliente, também passaram a considerar mais difícil que antes dizer “não” para propostas lucrativas, porém legalmente arriscadas. O resultado é que os advogados deixaram de servir como “guardiões” da ética, quando um programa corporativo novo e lucrativo, porém duvidoso, é submetido a eles para sua aprovação.

No outro extremo, tem havido uma redução consciente na vontade e capacidade dos promotores dos EUA de processar criminalmente executivos de alto nível que, em muitos casos, aprovaram as práticas fraudulentas que mais tarde levaram suas empresas a serem processadas.

Embora várias desculpas tenham sido oferecidas para justificar essa diminuição, no meu ponto de vista isso é principalmente uma decisão burocrática e tacanha de economia de recursos. Para um promotor determinar se indivíduos de alto escalão estavam envolvidos em fraudes corporativas, é necessária uma investigação que pode durar anos, envolver muitos promotores e agentes, sem garantia prévia de que algo será encontrado.

Em contrapartida, segundo a lei federal americana, uma corporação pode ser processada criminalmente até mesmo por uma conduta indevida de funcionários de nível inferior, de modo que processos contra empresas podem ser feitos rapidamente e com a virtual certeza de sucesso. Porém, o resultado é que o efeito dissuasório de mandar um executivo de alto nível para a prisão pela prática de uma fraude foi totalmente perdido.

Minha triste conclusão é que algumas recentes tentativas de mudar a cultura corporativa das empresas norte-americanas que estão tentadas em violar a lei não tiveram êxito e que, no mínimo, algumas salvaguardas que existiam antes foram abandonadas. Se, no entanto, a maior parte das empresas dos EUA permanece altamente ética, isso é devido exclusivamente à moralidade pessoal de seus executivos, e não às tentativas de mudanças recentes.

Jed. S. Rakoff

Juiz federal do Southern District de Nova York e professor da Columbia Law School

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