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Bernardo Gurbanov, Luís Antonio Torelli e Marcos da Veiga Pereira

Quanto vale o livro?

Creditar crise do setor livreiro à era digital é engano

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Protesto de funcionários da Fnac em frente à livraria Cultura, em São Paulo - Bruno Santos - 16.out.18/Folhapress

Em sua coluna nesta Folha no último domingo (11), Elio Gaspari ataca o projeto de regulação do comércio de livros (RCL), elaborado por um grupo de trabalho liderado pelo Ministério da Cultura, que tramita na Casa Civil. Segundo o autor, "a origem do pleito é uma majestosa manifestação do atraso de empresários e do oportunismo de suas corporações".

Ao dizer que "não há crise no mercado de livros" e "também não existe crise de livrarias, pois há redes que vão muito bem, obrigado", não leva em consideração o fato de que o faturamento da indústria caiu 20% entre 2014 e 2017 nem o número de pequenas livrarias e distribuidores que fecharam suas portas nesse período.

Tampouco menciona a redução do valor do livro nos últimos 15 anos. Para utilizar um exemplo conhecido do jornalista, seu título "A ditadura envergonhada" foi publicado, em 2002, com preço sugerido de R$ 40. Corrigido pelo IGP-M, seu valor seria hoje de R$ 115,80, e, no entanto, a edição atual é vendida por R$59,90, quase 50% a menos. 

Gaspari tem razão ao afirmar que Saraiva e Cultura "se enroscaram nas próprias gestões", mas creditar a crise ao choque da era digital e louvar os descontos praticados pelas lojas online é, a nosso ver, ver um grande engano. Por meio dessa estratégia predatória, estas oferecem best-sellers recém-lançados como "loss leaders", isto é, vendem um produto a preço de custo ou mesmo com prejuízo para atrair consumidores que eventualmente comprarão outras mercadorias.

Essa prática compromete o valor social atribuído ao livro e à leitura. A percepção do leitor passará, com o tempo, a ser que não vale a pena pagar muito por livros nem frequentar livrarias.

Por que é importante proteger a cadeia livreira e o que podemos aprender com a experiência internacional? No início dos anos 1980, ao observar a prática comercial de grandes varejistas, o então ministro da Cultura francês, Jack Lang, instituiu a hoje chamada Lei do Preço Único, limitando a 5% o desconto para lançamentos nos primeiros 18 meses de sua comercialização. Esse exemplo foi e é ainda hoje seguido e adaptado por países como Alemanha, Espanha, Portugal, Japão, Argentina e México.

Um mercado livreiro sustentável --sobretudo uma infraestrutura de distribuição com uma ampla variedade de títulos, inclusive em áreas remotas-- deveria ser de vital importância também para o Brasil. Defendemos que a RCL cria um campo nivelado para varejistas, permitindo a sobrevivência das livrarias do país, muito além das duas grandes redes que no momento atravessam uma crise financeira.

Nossa proposta é um desconto máximo de 10% para lançamentos, no período de um ano, medida que consideramos necessária para a saúde financeira do setor. Promoções e descontos continuarão acontecendo para mais de 75% dos acervos hoje disponíveis.

A regulação permite que, num panorama mais amplo, os leitores tenham acesso a uma maior bibliodiversidade. Com a existência de uma rede de lojas mais capilarizada, as editoras podem investir mais em obras especializadas, autores novos, experimentos literários etc. A longo prazo, acreditamos que esse projeto vá ser benéfico à sociedade em geral pois, além de incentivar a produção intelectual e criativa, pode ser instrumento de fomento à leitura.

Bernardo Gurbanov, Luís Antonio Torelli e Marcos da Veiga Pereira

Respectivamente, presidentes da Associação Nacional de Livrarias, da Câmara Brasileira do Livro e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros; integrantes do grupo de trabalho do Mercado Editorial do Brasil

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