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Marina Grossi

A COP24 e o tempo de refletir sobre o clima

É preciso alinhar ações de curto e longo prazo

Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, em evento em 2014 - Luiz Carlos Murauskas - 6.ago.14/Folhapress
Marina Grossi

O período de final de ano é, inevitavelmente, um momento no qual somos levados a avaliar nossas realizações individuais no ciclo que se encerra e renovarmos desejos e traçarmos rumos para outro que se inicia. Coincidentemente, é neste período repleto de significados que acontecem as Conferências das Partes (COP, na sigla em inglês) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Nada mais propício, diga-se de passagem, uma vez que o debate sobre os efeitos das mudanças climáticas sobre a qualidade de vida no planeta também envolve reavaliação de condutas e comprometimento com objetivos.

A COP24, que este ano se realiza em Katowice, na Polônia, ocorre três anos após o encontro no qual foi estabelecido o Acordo de Paris, considerado um verdadeiro marco diplomático. Foi durante a COP21 que os 195 países integrantes da UNFCCC se comprometeram objetivamente com metas para a redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE). O desafio agora é estabelecer as estratégias necessárias para se transformar compromisso em ação.

A boa notícia é que a COP24 se realiza após significativos avanços na participação de outras partes interessadas além dos governos, tais como setor privado, academia e sociedade civil. Foi a partir da participação dessas vozes que cresceu a percepção de que é possível atingir as estabelecidas pelo Acordo de Paris. O objetivo em comum é o de nos mantermos bem abaixo do limite de 2o C de aumento na temperatura média da superfície global terrestre, conforme estabelecido no documento. E temos tecnologia para chegarmos lá. 
 
O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), por meio de suas associadas, vem se dedicando nos últimos anos a dar a sua parcela de contribuição a esse debate por meio de diversas iniciativas. Uma delas é a participação em encontros de facilitação, denominados Diálogos de Talanoa. Trata-se de um processo oficial de consulta desenvolvido pela UNFCCC com o objetivo de incluir os diversos setores da sociedade, inclusive os potencialmente impactados, na discussão sobre o tema.
 
Em outubro, o CEBDS realizou no Rio de Janeiro seu próprio Diálogo de Talanoa, oficialmente reconhecido pela UNFCCC e que contou com a participação de representantes dos mais variados segmentos. O objetivo do encontro foi provocar os participantes com as perguntas que norteiam os debates nesse formato de debate: “Onde estamos?”, “Para onde queremos ir?” e “Como queremos chegar lá?”. As contribuições de cada participante foram reunidas em um documento levado pelo CEBDS à COP24 como contribuição para as discussões do encontro.
 
Em outra iniciativa, o CEBDS acaba de concluir o seu mais recente estudo, no qual procura demonstrar como as empresas pretendem “chegar lá” e quais são os esforços que vêm sendo realizados no sentido de contribuir com as metas do Acordo de Paris. 
 
Com base nesse critério, foi realizada uma avaliação de como as empresas estão se comprometendo no médio e no longo prazo em termos de monitoramento de suas emissões e de estabelecimento de metas. Foram consultadas as que já adotam a precificação interna de carbono como ferramenta de tomada de decisão, quais estão investindo em projetos de redução de emissões e quanto vem sendo mobilizado para esses projetos.
 
As 38 empresas globais analisadas possuem elaboração de inventário de emissões de GEE e monitoram suas emissões há pelo menos um ano. Desse total, 21 são brasileiras ou dispõem de dados exclusivos sobre as emissões no país. Quando analisado exclusivamente este grupo, foi observada em 2016 uma redução de 33% em relação a 2015. Em 2017, a redução foi de 1% em relação ao ano anterior.

Cabe observar que a maior parte desse desempenho se deve a alteração na produção e desinvestimentos forçados pela crise econômica registrada no período. Porém, o estudo mostra ao mesmo tempo o potencial do investimento em tecnologias que resultam em redução de emissões. 
 
De 2015 a 2017, as empresas brasileiras executaram 1.340 projetos, totalizando um investimento da ordem de US$ 85,8 bilhões. A maior parte envolveu o uso de tecnologias de eficiência energética, otimização de processos e busca por fontes energéticas de baixo carbono. Juntos, esses projetos foram responsáveis pela redução de 217,9 milhões de toneladas de CO2 no período, o que corresponde a um volume equivalente a 27% da meta total de redução assumida pelo Brasil no Acordo de Paris até 2025.
 
Sem dúvida, o resultado é positivo, mas merece algumas reflexões. Vale lembrar que se trata de um desempenho obtido em um cenário de baixa atividade econômica. Se não houver continuidade desses investimentos com foco no longo prazo, parte desse ganho pode ser perdida em um cenário de retomada do crescimento econômico. Isso ficou claro no estudo do CEBDS, no qual 90% das empresas analisadas demonstraram ter metas de curto prazo, ou seja, até 2025. Poucas, no entanto, já estabeleceram metas de médio e longo prazo, que se estendam até 2030 e 2050, respectivamente.
 
Essa questão já havia sido observada no estudo “Estratégias de Desenvolvimento de Baixo Carbono para o Longo Prazo”, realizado no ano passado pelo CEBDS em parceria com o iCS, e um caminhos apontado foi o desenvolvimento de instrumentos financeiros estruturados com base na precificação das emissões de carbono. O trabalho mostrou que a criação de um mercado brasileiro de títulos verdes pode ser um mecanismo eficaz de financiamento desses projetos, que já não deixam dúvidas sobre seus resultados.
 
E é com base neste último dado que volto às tradicionais resoluções de final de ano. Assim como acontece no plano pessoal, é no alinhamento das nossas ações de curto e longo prazo que alcançamos nossas maiores conquistas.

Marina Grossi

Presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável

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