Descrição de chapéu
Paulo Tafner

A proposta de fatiar a reforma da Previdência para votação no Congresso é acertada? SIM

Como fazer a reforma

O economista e pesquisador Paulo Tafner, em foto de 2016 - Ricardo Borges - 17.jun.16/Folhapress
PAULO TAFNER

O governo eleito em outubro de 2018 iniciará seu mandato com enormes desafios. A crise fiscal que assola o país (União, estados e municípios) exige medidas severas.

É crucial e urgente que o país reverta o quadro de déficit primário para um superávit de 2,5 a 3 pontos percentuais do PIB, de modo a estabilizar e até reverter a relação dívida/PIB (hoje próxima de 80%) para reduzir juros e estimular o crescimento da economia, com geração de empregos e oportunidades.

Não há solução mágica, e serão necessárias diversas medidas fiscais, regulatórias, administrativas e éticas. Uma coisa, porém, é certa. Sem ajustes nas contas públicas, o governo fracassará. Ela é condição imprescindível para a retomada sustentável do crescimento.

É nessa dimensão que se insere a reforma da Previdência. Os gastos previdenciários superam 14,5% do PIB (apesar de sermos um país jovem), e seu déficit consolidado é de aproximadamente 5% do PIB. Somente no âmbito da União, a despesa cresce mais de R$ 50 bilhões a cada ano.

Governos estaduais estão sufocados pela despesa previdenciária, e vários cortaram gastos com saúde, educação e segurança para pagar aposentadorias e pensões de servidores públicos. Para a quase totalidade de estados e praticamente todas as capitais do país, a despesa previdenciária supera 40% da despesa com pessoal. Em alguns estados é maior do que a folha de ativos!

A previdência não é somente muito cara. Ela é, sobretudo, injusta! Pobres se aposentam com mais de 65 anos (se homens), enquanto seu equivalente da classe média ou rica se aposenta 8 a 10 anos mais cedo.

A empregada doméstica se aposenta 10 anos depois do que sua patroa, e o gari 8 anos depois que o prefeito. Viúvas pobres com dois ou três filhos menores ganham o mesmo que uma viúva sem filhos.
Alguns privilegiados acumulam até seis benefícios, enquanto quase dois terços dos aposentados do Brasil ganham algo próximo ao salário mínimo.

E por que é assim? Porque existem diversas regras previdenciárias que segregam os brasileiros, definindo-os como brasileiros de 1ª, 2ª e 3ª categoria. Foram privilégios que certos grupos conseguiram consagrar na legislação e que hoje, por eles, são definidos como "direitos".

Os equívocos de nosso sistema não param aí. Mesmo entre trabalhadores pobres há erros. Nosso sistema permite que dois trabalhadores igualmente pobres ganhem o mesmo valor de benefício, a despeito de um ter contribuído a vida inteira e outro jamais ter contribuído. Há muito a corrigir.

Se queremos mais justiça e equidade na Previdência, parece evidente que devemos buscar igualdade de regras para todos os brasileiros. Mas como fazer isso, se há tantas particulares regras? 

Uma alternativa seria uma reforma que acabasse com todos os privilégios e erros com uma única cartada. Será? O que vimos em mais de 20 anos de estudos e pesquisas é que uma reforma desse tipo reúne como oposição todos os grupos que de alguma forma têm algum privilégio. E essa conjugação de forças acaba por limitar ou mesmo impedir uma reforma. 

Nossa proposta é buscar a igualdade de regras após um período curto de transição e "fatiar" a reforma atacando inicialmente os grandes privilégios para depois ir corrigindo as distorções diversas existentes em nosso sistema.

Podemos iniciar a reforma tratando dos servidores públicos civis. Em seguida os membros das Forças Armadas e os policiais militares e bombeiros (esses últimos darão forte alívio às finanças estaduais) e, por fim, trataremos dos trabalhadores da iniciativa privada.

Paulo Tafner

Economista e pesquisador da Fipe/USP; autor de "Reforma da Previdência: Debates, Dilemas e Escolhas" (2005), "Demografia: a Ameaça Invisível" (2010) e "Reforma da Previdência: a Visita da Velha Senhora" (2015)

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.