Recentemente foi publicado, na prestigiosa revista científica Nature Biomedical Engineering, um artigo no qual cientistas do Google e da Universidade Stanford (EUA) criaram um "robô" (leia-se a série de operações matemáticas conhecida como algoritmo) que conseguiu discriminar em 97% dos casos o sexo biológico de uma pessoa, olhando no fundo de seus olhos. Em nossas retinas estariam pistas incompreensíveis para os humanos, mas óbvias para a inteligência artificial, que responderiam a essa pergunta: ele ou ela?
Imagens médicas de hoje são altamente diversificadas, rapidamente obtidas, processadas e presentes em enormes quantidades, o que define a era do "big data". Alimentam-se e retroalimentam-se equações que buscam ajustar parâmetros a partir das fotos de modo a agrupá-las. No caso, foram apontados dois caminhos (homem ou mulher), e os cálculos separaram as imagens das retinas.
O artigo publicado tinha como objetivo prever o risco de doenças cardiovasculares (e não o sexo) a partir dessas imagens de retina, ou exame de fundo de olho. Além do sexo, também a idade, pressão arterial e tabagismo (fatores de risco) foram previstos nas fotos com enorme taxa de acerto.
A questão da substituição do homem pela máquina vem de novo à tona. Ainda faz-se necessária a opinião humana, que funciona como padrão-ouro, ou referência, que é buscada pelos processadores. Em algum tempo as mais variadas perguntas já deverão ter sido processadas, e nossa opinião, classificatória, será menos importante.
Identificam-se movimentos contra a desumanização, propondo recolocar no mesmo patamar a atuação histórica do médico que antes recolhia sinais (via exames) e sintomas (via consulta) e a realidade de hoje, que lida com equipamentos quase autônomos, que somente exigem pessoas para sua manutenção e controle de qualidade.
Com isso qual o papel do médico do futuro, no futuro?
Nossa importância com certeza também não será a de manipular tecnicamente ferramentas, tampouco os terminais de computador, que roubam o tempo da relação médico -paciente. Com mais certeza ainda passará por entender --empatia-- o sofrimento do par humano, traduzindo a ciência para os leigos e dando conforto aos doentes.
Na área do ensino médico há de se repensar como iremos lidar com as respostas que não entendemos como foram conseguidas. Não vamos mais fazer exames de pacientes e juntar com a história clínica, chegando a hipóteses diagnósticas? Esse processo será feito pelo próprio paciente, com auxílio de algoritmos testados e consagrados? Provavelmente, sim.
Disso decorre uma nova função e mentalidade do médico, que passa inclusive por não estar desconfortável com a (não) explicação do processo.
As novas gerações são chamadas de "nato digitais" (nasceram no mundo computacional e teclam mais do que escrevem), mas os professores e métodos de ensino são ainda analógicos e tradicionais. Um confronto vai causar mais calor do que energia produtiva. O convite que fica é o de, reconhecendo a simbiose silício-carbono (ou chip-organismo), aproveitar nosso ser humano.
Ele ou ela?
Médicos têm de saber lidar com o poder da máquina
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