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Fim da linha

Soa precipitado Donald Trump falar em derrota por completo do Estado Islâmico

Militares americanos em Manbij, na Síria, em novembro deste ano
Militares americanos em Manbij, na Síria, em novembro deste ano - Zoe Garbarino/U.S. Army/Associated Press

Fiel ao estilo de tomar decisões abruptas, não raro em descompasso com assessores próximos, Donald Trump anunciou na quarta-feira (19) a retirada, em até 30 dias, dos cerca de 2.000 militares americanos na Síria. Segundo o presidente, a milícia terrorista Estado Islâmico foi derrotada, e não há mais por que permanecer no país.

Não se trata propriamente de uma surpresa, pois Trump prometera em campanha desengajar-se desse conflito e, em abril último, disse que o faria em breve. 

À época, porém, o Pentágono conseguiu demovê-lo da ideia, sob o argumento de que a missão em solo sírio não estava concluída.

Até dias atrás, autoridades que aconselham a Presidência nesse campo mantinham tal entendimento, o que se provou insuficiente para convencer o chefe a lhes dar mais tempo. O secretário de Defesa, Jim Mattis, renunciou após o anúncio.   

É fato inconteste que o Estado Islâmico perdeu quase todo o território conquistado na Síria e no Iraque desde que assombrou o mundo com a autoproclamação de um califado, em 2014. As principais cidades sob jugo da facção foram retomadas depois disso.

Entretanto soa precipitado falar em derrota por completo do EI. Há focos de resistência, embora muito reduzidos em área, e relatórios do próprio governo americano estimam em até 30 mil os remanescentes da milícia nos dois países.

Sem desconsiderar a importância de pôr termo ao regime de medo e brutalidade imposto por essa organização terrorista, cumpre recordar que a guerra na qual a Síria está imersa desde 2011 tem como atores principais as tropas do ditador Bashar al-Assad e os rebeldes que tentam derrubá-lo.

Desse confronto advém a maioria absoluta das mais de 500 mil mortes em sete anos, e por causa dele 5,6 milhões de pessoas emigraram, de acordo com a ONU. 

Não fossem já impactantes esses números, a comunidade internacional chocou-se com as denúncias de uso de armas químicas por parte das tropas de Assad.

Em resposta a uma dessas ocorrências, aliás, Trump ordenou, em abril de 2017, o bombardeio de uma base aérea síria. Na ocasião, criticou o antecessor, Barack Obama, por não ter agido contra Assad mesmo após afirmar que Damasco cruzara uma “linha vermelha” por empregar artefatos químicos.

Naquele momento, havia a impressão de que a Casa Branca tomaria medidas concretas para pressionar o ditador a interromper a tragédia humanitária em curso. Ao dizer agora que lutar contra o EI era o único objetivo na Síria, Trump deixa claro que não pretende defender a linha, mas sim apagá-la.

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