Descrição de chapéu
Isabel Roth

O papel social da arte

É imprescindível não deixar de se indignar

Seja pelas sucessivas notícias de violações de direitos ocorridas no Brasil e no mundo, seja pela celebração da presente efeméride, a urgência de garantir o cumprimento dos princípios afirmados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) permanece, mesmo passados 70 anos da assinatura desse documento histórico.

Todos devem participar desse amplo esforço político, e o grande desafio é garantir as condições mínimas para que cidadãos dos mais variados espectros sociais e políticos se sintam contemplados e motivados a discutir e defender os direitos humanos.

Em meados dos anos 1970, o artista plástico e ativista Otávio Roth (1952-1993), então residente em Oslo, teve acesso ao texto integral da DUDH. Otávio percebeu a importância daquele material, mas chocou-se com a maneira como este se apresentava, com uma “letra ilegível, em um papelzinho mixuruca”.

O artista se lançou em um longo projeto para transcrever e ilustrar cada um dos artigos da DUDH, que resultou em uma série de 30 xilogravuras sobre papel artesanal, cuja harmônica articulação de elementos estéticos —tipografia, cores e ilustrações-síntese— permitia a aproximação espontânea do público ao texto. 

Expostas em São Paulo até janeiro como parte da mostra “Para Respirar Liberdade”, realizada pelo Sesc SP em parceria com o Instituto Vladimir Herzog, elas seguem cumprindo seu papel social de comunicar cada um dos direitos fundamentais, comuns a todos os seres humanos, de maneira acolhedora e não agressiva. 

 

Em 1979, Otávio Roth revelou publicamente que a epígrafe do túmulo do jornalista Vladimir Herzog havia causado enorme impacto em sua obra. A frase reflete sobre a responsabilidade de cada indivíduo diante das graves violações de direitos humanos: “Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados”. 

Herzog, assassinado sob tortura pela ditadura militar em 1975, chegou ao Brasil ainda criança, fugindo da perseguição nazista por ser judeu. No texto do jornalista, Otávio encontrou “a essência que procurava para a minha arte —a defesa dos direitos humanos”. 

A arte é um poderoso vetor de transformação social, por meio da qual os agentes que a produzem e promovem amplificam sua capacidade de sensibilizar o público. Mais ainda, ela possibilita a formação de um espaço de aproximação entre indivíduos, no qual o discurso pronto e as ideias preconcebidas cedem lugar à exploração de novas perspectivas e emoções. 

Em um momento no qual o discurso de ódio deita raízes, é imprescindível que não percamos a capacidade de nos indignarmos com violações de direitos cometidas contra outros. 

É urgente a articulação de um amplo campo de trocas que suporte e promova os direitos humanos de maneira agregadora, positiva e não traumática. Obras vibrantes e acessíveis podem aproximar o espectador do tema, hoje em constante disputa de narrativas. 

Reconhecer a força social e política advinda de experiências estéticas, vividas em um ambiente cultural generoso e plural, é uma das estratégias mais eficientes para a promoção e defesa da dignidade humana para todos os cidadãos, independentemente de idade, origem, credo e condição social. Que neste aniversário de 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos possamos nos mobilizar nessa direção.

Imagem do artista Otávio Roth reproduz um dos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos
Imagem do artista Otávio Roth reproduz um dos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos - Divulgação
Isabel Roth

Curadora e produtora cultural no Acervo Otávio Roth (AcOR)

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