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Luis Inácio Lucena Adams

Os limites da exposição pública

Não se legitima assédio ao ministro Lewandowski

Luís Inácio Lucena Adams, então advogado-geral da União, em 2013 - Wesley McAllister - 8.fev.13/Ascom AGU
Luis Inácio Lucena Adams

Ganhou larga exposição da mídia incidente em que um ministro do Supremo Tribunal Federal foi assediado em um voo por um cidadão que questionava a instituição, acusando-a de ser uma vergonha para o país.

Sem querer examinar a validade da atuação da Polícia Federal no caso, esse tipo de incidente se tornou uma característica recorrente no exercício da cidadania brasileira, potencializado pelo uso intensivo dos meios digitais de comunicação.

Isso evoca uma reflexão sobre os limites que devem ser estabelecidos para aqueles que se apresentam como cidadãos e querem ter participação na vida política brasileira.

O fato é que, para exercitar a manifestação política legítima, tem sido tolerado exercício do assédio comportamental ilegítimo e, em alguns casos, ilícito. Assédio, no caso, é a conduta que busca constranger um indivíduo mediante a insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão que impingem uma imagem negativa ou humilhante.

No caso, não se questiona o direito de um cidadão de fazer um questionamento público, via meios de comunicação social, sobre a conduta ou posição de uma instituição ou pessoa investida na função pública. Tal direito ao questionamento já foi enfrentado diversas vezes pelo Poder Judiciário brasileiro, e a liberdade de expressão garantida pelo próprio Supremo Tribunal.

Em julgamento encerrado em 2018 (ADI 4451), o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que "...não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, pouco importando o Poder estatal de que ela provenha." Isso para garantir a liberdade de expressão humorística no decorrer do processo eleitoral, limitando a ação da própria Justiça Eleitoral.

O próprio ministro Ricardo Lewandowski, na ADPF 130, em que foi julgada a famigerada Lei de Imprensa, afirmou textualmente: "Observo, finalmente, que nos países onde a imprensa é mais livre, onde a democracia deita raízes mais profundas, salvo raras exceções, a manifestação do pensamento é totalmente livre, a exemplo do que ocorre nos EUA, no Reino Unido e na Austrália, sem que seja submetida a qualquer disciplina legal."

O que se questiona aqui é a forma que esse direito é exercido. Ninguém há de discordar de que o direito de manifestação quanto ao preço da gasolina no Brasil não autoriza que as pessoas saiam ateando fogo nos postos de gasolina ou nas refinarias. Até piquetes destinados a fechar os postos e refinarias não são aceitáveis.

Foi o caso da questionável atuação dos caminhoneiros, bloqueando o acesso da população a produtos de necessidade básica, o que representa um exercício ilegal do direito de manifestação.

Da mesma forma, o direito à crítica às instituições públicas não autoriza o exercício desproporcional à instituição, mediante o assédio a um dos seus integrantes.

Não se trata de uma crítica civilizada, mas um esforço de exposição --alavancada pela utilização de mídias sociais-- com a finalidade de denegrir a nossa Corte Constitucional, basicamente pelo fato de divergir das decisões tomadas no contexto de um sistema que deve balancear o correto combate à corrupção com a garantia dos direitos dos indivíduos acusados, sejam inocentes, sejam culpados. A insatisfação com a conduta pública e a crítica não legitimam o ataque e o assédio a essas instituições, focados no esforço de deslegitimá-las.

Luis Inácio Lucena Adams

Ex-advogado-geral da União (2009-2016, governos Lula e Dilma)

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