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Luiz Kignel

Até onde iremos?

Declarações contra equipe de auxíio israelense em Brumadinho são lamentáveis

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Bombeiros e militares israelenses buscam por corpos na área administrativa da mina do Córrego do Feijão, onde houve o rompimento da barragem - Pedro Ladeira/Folhapress

Assim que o avião da companhia aérea israelense El Al tocou o solo brasileiro no último domingo (27) à noite com uma equipe das forças de defesa do Estado de Israel, houve por parte de algumas pessoas uma mudança imediata de foco na abordagem da tragédia de Brumadinho.

De um senador não reeleito no último pleito de 2.018 leu-se que os soldados israelenses mais parecem um grupo de assalto a Venezuela e que sua vinda seria desnecessária (obviamente fazendo essa afirmação do conforto de seu lar). De outras tantas pessoas, igualmente acomodadas a centenas ou milhares de quilômetros de distância da tragédia – e que de uma ou outra forma têm exposição na mídia– ouviu-se que o real objetivo da vinda ao Brasil seria implantar um núcleo do Mossad em território nacional.

Houve quem afirmasse que o único interesse do Exército israelense seria ocultar provas para defender a empresa Vale e tantas outras elucubrações que nada mais são do que a expressão do antissemitismo moderno.

Não há como prever quanto tempo será necessário para o Brasil se recuperar da tragédia. Mesmo fisicamente distante, a até recentemente desconhecida Brumadinho tornou-se o centro de uma comoção que extrapolou as fronteiras nacionais. De todas as partes continua chegando uma corrente impressionante de iniciativas individuais e coletivas oferecendo auxílios material e humano para devolver um mínimo de dignidade àqueles que se viram inocentemente vítimas dessa calamidade.

O Estado de Israel, por meio de um grupamento altamente especializado e treinado para situações de catástrofes extremas, se ofereceu para ajudar nos trabalhos da região. Esse grupo denominado Unidade Nacional de Resgate das Forças de Defesa de Israel foi criado em 1984, já tendo atuado em situações adversas em países como Grécia, Camboja, Armênia, Argentina, República do Congo, Quênia, Turquia, Índia, Egito e Haiti, entre outros. Desde novembro de 2018 essa unidade integra o Grupo Consultivo Internacional de Busca e Resgate das Nações Unidas (Insarag, na sigla em inglês). Neste momento, 140 membros desse agrupamento encontram-se em Brumadinho, somando esforços ao Exército e Força Aérea Brasileira e aos bombeiros de Minas Gerais e vários outros estados.

Essas manifestações anti-Israel, certamente isoladas, me causam distintas sensações. Como judeu, definitivamente não me surpreendem, porque os antissemitas nada mais são do que parasitas da desgraça (especialmente quando alheia) e não perdem uma oportunidade para desferir seu veneno, não se importando o que e com quem aconteceu.

Como brasileiro, tenho um sentimento de profunda decepção por atestar que em um país fraterno como o nosso Brasil existem pessoas que seguem ignorando a desgraça do seu próximo que de tão desproporcional que é se arrastará por gerações, assim como a calamidade ambiental que demorará possivelmente décadas para se recompor. Mas, na verdade, é como ser humano que me sinto absolutamente derrotado ao ver que alguma coisa no projeto divino falhou. Porque, se na fé judaico-cristã o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, como é possível que alguém se preste a baixeza tão grande desperdiçando o espaço que detém na mídia, ainda que fundada mais em deméritos do que em honras, levantando teorias conspiratórias que nada agregam no que deveria ser o esforço maior das pessoas de bem amenizando a dor dos que estão verdadeiramente sofrendo.

Os arautos da moral alheia provavelmente não dedicaram uma linha de seu espaço digital ou um minuto de seu tempo para verificar como poderiam verdadeiramente contribuir para minimizar a impagável conta dos que ainda aguardam a hora de localizar corpos de entes queridos para enterrar com um mínimo de dignidade seus mortos. Eles certamente não têm tempo nem motivação para ajudar, ocupados que estão em disseminar teses conspiratórias. Preferem o culto ao ódio e não à fraternidade.

Certamente vou decepcionar aqueles que imaginaram que me aproveitaria deste espaço para apresentar um ponto de vista sobre a mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém ou que faria ataques políticos à esquerda ou à direita. Se assim o fizesse, me igualaria no mesmo baixo nível daqueles que estou criticando. Israel não está, como qualquer outro país, imune aos que discordam de sua política. O que se aponta aqui, apenas, é a oportunidade imperdoável de fazê-lo aproveitando-se de uma situação de calamidade nacional.

O evento de Brumadinho é um alerta que se repete, indicando que a tragédia do rompimento da barragem de Fundão em Mariana, ocorrida em novembro de 2015, não foi absorvida pelas empresas obrigadas a zelar pela proteção dos que estão no seu entorno e pelas autoridades que não souberam fiscalizar. Exigirá manuais mais completos e padrões de conduta certamente mais rígidos, para que situações como essa não mais se repitam.

Mas Brumadinho também serve como um alerta de que o manual de conduta humana precisa ser definitivamente revisitado para nos ensinar como lidar com aqueles que seguem confortáveis aguardando a próxima desgraça. A insensibilidade é grave por si só, mas quando aliada a insensatez se torna mais profunda. Até onde irá o desprezo do ser humano pelo seu semelhante?

Luiz Kignel

Presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo

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