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José Luiz Alqueres

Carlos Ghosn: por que o silêncio?

Executivo está sendo tratado como marginal perigoso

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Pedestre passa por painel eletrônico com notícia de que Justiça japonesa negou novamente pedido de liberdade sob fiança de Carlos Ghosn, ex-presidente da Nissan - Kazuhiro Nogi/AFP
José Luiz Alquéres

Um dos mais respeitados executivos mundiais da indústria automobilística, um homem credor do maior respeito pessoal e profissional, a cuja atuação dedicada e bem-sucedida se devem milhares de empregos na França, Japão, Brasil e outros países, decola de Paris, em um dia de novembro no avião da companhia que preside. Ao desembarcar no Japão, começa um pesadelo: é levado preso, com base em delações do vice-presidente da companhia japonesa, que no dia seguinte assume o seu lugar.

Desde então é mantido nessa situação como se fosse um marginal de alta periculosidade. Será essa prisão fruto do ambiente anti-internacionalista que parece prenunciar um mundo de intolerância e economias fechadas? Será que as alegadas dúvidas a respeito de tributos sobre o salário, em contas auditadas pelos maiores auditores independentes do mundo e aprovadas pelos comitês de auditoria da Renault e da Nissan, justificam isso? Que "Estado de Direito" é este?

Carlos Ghosn nasceu em 1954 em Rondônia. Diplomou-se na École Polytechnique, com especialização na École de Mines. Um Polytechnique X-Mine é uma das mais altas formações acadêmicas dentre as Grand Écoles da França.

Sua carreira profissional foi brilhante e apareceu sob os holofotes há cerca de 20 anos, quando foi designado pela Renault para comandar a Nissan, então quase falida, da qual a empresa francesa havia adquirido cerca de 40% do capital.

Para estupor do establishment empresarial japonês, Ghosn introduziu na Nissan o mérito, a participação nos resultados e o afastamento dos incompetentes num sistema até então de carreiras perpétuas na mesma empresa, de lealdades para o bem e para o mal.

Os resultados não demoraram a surgir. A Nissan virou a estrela do mercado, com novos modelos lançados em prazo curto, plataformas modernas. Os lucros voltaram e ultrapassaram os da própria Renault.

Mergulhou na tecnologia e lançou o mais vendido carro elétrico, o Nissan Leaf. E incansável, 20 anos após chegar ao Japão, então presidindo a Renault, coloca debaixo da "aliança" a Mitsubishi.

A caminho de reestruturar o comando das empresas japonesas para continuar a expansão, é levado para a cadeia, onde permanece em condições físicas e psicológicas adversas.

As vagas acusações, que ele nega, são algum tipo de imposição de prejuízos à companhia em benefício próprio. Data? 2008, e outras de três ou quatro anos atrás. Algumas prescritas.

Quem acusa é o beneficiário que virou presidente em seu lugar. E a Justiça japonesa, extremada em matéria de manter presos sem culpabilidade caracterizada como forma de extrair confissões, recusa a liberdade sob fiança.

Quem conhece Ghosn --eu, particularmente, como antigo presidente da Câmara de Comércio França-Brasil-- está indignado com esta situação, que deveria merecer maior atenção das nossas autoridades.
Ghosn inaugurou uma nova etapa da Renault-Nissan no Brasil, transformando-a numa indústria que gera milhares de empregos. Recentemente, foi um dos patrocinadores da Olimpíada em nosso país, onde lançou o Nissan Kicks --um sucesso.

Não se quer nada além de um processo justo e transparente. Estamos assistindo quietos a uma tentativa de humilhação e de dobrar o ânimo de um homem de qualidade que, extremamente abatido, já perdeu dez quilos desde novembro.

A comunidade empresarial brasileira e qualquer brasileiro de mínimo bom senso repudiam o que está ocorrendo e esperam que suas autoridades maiores se mexam, como aliás estão fazendo as autoridades francesas, que apoiam Ghosn. No fundo, trata-se de uma guerra suja, num mundo que, dessa forma, vai se fechando à globalização.

 
José Luiz Alqueres

Ex-presidente da Câmara de Comércio França-Brasil e da Associação Comercial do Rio de Janeiro

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