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Eu se não tivéssemos política de combate à Aids?

Não podemos permitir retrocessos nesse campo

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Laço que simboliza a luta contra a Aids colocado na fachada do prédio da secretaria da Educação durante manifestação pelo dia mundial de combate à Aids, na praça da República, região central da cidade de São Paulo
Laço que simboliza a luta contra a Aids colocado na fachada do prédio da secretaria da Educação durante manifestação pelo dia mundial de combate à Aids, na praça da República, região central da cidade de São Paulo - Avener Prado - 30.nov.2012/Folhapress

O atual ministro da Saúde afirmou a esta Folha ter ressalvas à política de combate à Aids e disse não acreditar nas campanhas de prevenção nas escolas e unidades de saúde. Reportagem da revista Exame ouviu infectologistas, preocupados com retrocessos nessa política.

A afirmação causa estranhamento. Lembro-me, na década de 80, da descoberta da doença. Perdemos ídolos, como Freddie Mercury, que inspirou o filme “Bohemian Rhapsody”, Cazuza, Renato Russo. Eu era estudante de odontologia, fazíamos o atendimento clínico dos pacientes sem luvas descartáveis, com exceção dos procedimentos cirúrgicos.

Fomos mudando, enquanto a ciência desvendava os mistérios daquela doença fatal.

Apesar do avanço nas pesquisas, a Aids ainda não tem cura, mas graças a políticas que atravessaram governos de diferentes partidos houve mudanças no comportamento sexual (campanhas de prevenção), no diagnóstico precoce e no acesso democratizado aos caros medicamentos de tratamento.

As pessoas acometidas, independentemente da sua condição econômica, sobrevivem, o que não acontecia no passado. Os protocolos para gestantes portadoras do HIV resultaram em 43% de redução na transmissão vertical. Houve casos em que o contágio se dava por meio da transfusão de sangue, o que custou a vida de Henfil, que era hemofílico. Adotaram-se os testes de Aids nos serviços de hemoterapia.

Na formação médica, vale o juramento de Hipócrates (Declaração de Genebra, 2017, adotada pela Associação Médica Mundial):

“[...] – Guardarei o máximo respeito pela vida humana;

– Não permitirei que considerações sobre idade, doença ou deficiência, crença religiosa, origem étnica, sexo, nacionalidade, filiação política, raça, orientação sexual, estatuto social ou qualquer outro fator se interponham entre o meu dever e o meu doente;[...]”

No Brasil, a Aids não está entre as principais causas de mortalidade, e a expectativa de vida tem níveis próximos à de países desenvolvidos, embora marcado por grandes desigualdades. Países da África, ressalvadas diferenças sociais, culturais e econômicas, não tiveram a mesma trajetória. A expectativa de vida chegou a 38 anos antes do tratamento com os antirretrovirais. E lá estão mais de 90% das crianças órfãs, chegando a 10 milhões, que perderam seus pais para a doença.

Recentemente, numa banca de doutorado da Universidade de KwaZulu-Natal (África do Sul), soube que a Aids acomete 19% da população, e um desafio é o diagnóstico das alterações de pele nas fases iniciais da doença. Eles têm um dermatologista para cada 300 mil habitantes. O estudo propõe um serviço de telemedicina em dermatologia para o enfrentamento do problema.

O Brasil tem o programa Telessaúde Brasil, desde 2007, e o modelo brasileiro recebeu o reconhecimento da Organização Pan-Americana da Saúde (2011).

O SUS, direito constitucional conquistado, se efetivou com impactos inquestionáveis nos indicadores de saúde, com ampla participação social, dos entes federados, e na abrangência das áreas temáticas na estrutura do Ministério da Saúde. Analisar a história para formar opiniões e tomar decisões baseadas em evidências pode evitar retrocessos que coloquem a perder a saúde e a vida das famílias brasileiras, nas suas diversas composições.

Ana Estela Haddad

Cirurgiã-dentista e professora associada da Faculdade de Odontologia da USP, é ex-diretora de Gestão da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (2005-2012; governos Lula e Dilma)

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