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Flavio F. de Figueiredo

O jogo do perde-perde

Regiões degradadas nas cidades são prejuízo para proprietários e para o poder público

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Vista aérea da cracolândia, na região central de São Paulo - Eduardo Anizelli - 27.set.18/Folhapress
Flavio F. de Figueiredo

Os imóveis são parcela significativa do patrimônio de muitos brasileiros. Além da segurança que o imóvel próprio representa, a expectativa de valorização – ou, na pior hipótese, de manutenção de valor –é sempre considerada na decisão de investimento.

O que não se tem percebido é que muitos imóveis estão perdendo valor, ou deixando de se valorizar, pela forma como muitas de nossas cidades são administradas. Há descaso do poder público, e os prejudicados não reclamam providências.

Regiões degradadas, sujas, ocupadas por militantes sem teto, ou até criminosos, não oferecem atrativos para novos moradores ou negócios formais. E onde não há procura os valores caem, às vezes em grandes proporções.

Tanto a degradação como a queda dos valores são gradativas e se alimentam mutuamente. Quando uma região começa a se degradar e a ser indevidamente ocupada, muitos moradores e empresários perdem interesse em ali permanecer e se mudam.

Com o progressivo esvaziamento pelos ocupantes formais, proprietários ou inquilinos, as ruas, praças e até certos imóveis são tomados por mais criminosos e militantes sem teto.

Na medida em que a deterioração se consolida, mais e mais moradores, comerciantes e empresas vão saindo e os valores vão caindo, até se chegar ao estágio de encerramento das atividades legais e paralisação do mercado imobiliário.

É a derrota do poder público, por absoluta incapacidade gerencial.

Locais que já receberam vultosos investimentos em infraestrutura, com vias pavimentadas, transporte coletivo e de massa, água, energia, etc., ficam abandonados. Perde a cidade e perdem aqueles que ali tinham colocado suas economias e sua esperança.

Se essa perda se transformasse em ganho para alguém, poderíamos até estar diante de uma redistribuição de patrimônio. Mas isso não ocorre. Este é um jogo de perde-perde.

A redução da atratividade baixa também o valor dos imóveis, diminuindo o potencial de arrecadação de IPTU. E afasta empresas, com impacto na arrecadação de outros impostos municipais, estaduais e federais.

São esses impostos que permitiriam ao poder público, dentre outras coisas, combater melhor a criminalidade e proporcionar condições adequadas de vida a muitos sem teto que, sem esperança, vagam por nossas cidades.

O descaso com que os gestores tratam nossas cidades tem reflexo muito mais amplo, que vai além da simples perda patrimonial para os cidadãos que detêm alguns recursos. Afeta também a vida e a dignidade daqueles que pouco ou nada possuem e que só teriam a ganhar com gestões eficientes, realizadas por pessoas capazes e bem-intencionadas.

Recuperar uma região deteriorada exige, geralmente, grandes projetos e investimentos vultosos, com o risco de não alcançar os resultados pretendidos.

Mas evitar que o processo de degradação se inicie ou, uma vez iniciado, que evolua, medidas simples, de baixo custo, podem ser muito eficazes.

A questão é que as medidas para evitar ou interromper degradações são às vezes amargas para alguns, enquanto promessas e inaugurações de áreas recuperadas sempre estão sob holofotes e frequentemente geram dividendos políticos para os envolvidos. Isso pode explicar muita coisa.

Flavio F. de Figueiredo

Engenheiro civil, consultor e conselheiro do Ibape/SP (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo)

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