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Lucio Rennó e Rayssa Tomaz

Os motivos e efeitos das reformas eleitorais

Saldo das mudanças é quadro político mais incerto

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Prédio do Congresso Nacional, em Brasília - Pedro Ladeira - 4.nov.13/Folhapress
Lucio Rennó e Rayssa Tomaz

O Brasil vivenciou intenso processo de reforma eleitoral nos últimos anos. A lista é longa: financiamento público de campanhas eleitorais; autofinanciamento; limites nos tetos de gastos por cargo; cláusula de desempenho para partidos e candidatos; mudança na fórmula de distribuição das sobras; proibição das coligações (em 2022); criação de janelas partidárias; encurtamento do período de filiação partidária; criação de novos partidos como exceção à vedação da mudança de sigla; redução da duração do tempo de campanha. A pergunta necessária é: quais os motivos e efeitos das reformas?

Políticos atuam inspirados por vários objetivos. Desde que legais, todos legítimos. Fazer boas políticas públicas, apresentar soluções a problemas dos cidadãos, reagir às demandas locais são motivos declarados, explícitos. Mas políticos também são motivados por suas ambições de carreira e sobrevivência política, que quase sempre se expressam veladamente.

Essa motivação é particularmente relevante em temas próximos aos interesses pessoais dos representantes: as regras que afetam a disputa eleitoral são, sem dúvida, o mais transversal de todos esses temas para a classe política. Terreno fértil para as motivações pessoais dos legisladores sobressaírem.

No caso das inúmeras reformas do sistema eleitoral, há algumas motivações claras. Um motivo declarado é a redução do custo das eleições e do financiamento ilegal de campanhas. Assim, o financiamento público gratuito, os tetos de gasto, o encurtamento do período de campanha são justificados pelo combate ao caixa dois e barateamento das campanhas. Outro motivo declarado é o aumento da governabilidade do sistema, por meio do enxugamento do quadro partidário. A cláusula de desempenho e a futura proibição de coligações surtiriam tal efeito.

Contudo, alguns motivos são velados. A reforma eleitoral pode ser vista como uma tentativa de reduzir a renovação no sistema, protegendo os próprios arquitetos institucionais, e de ampliar a independência de políticos em relação aos partidos.

O financiamento público de campanha centralizou recursos nos maiores partidos, aqueles mais afetados também pelos recentes escândalos de corrupção.
O autofinanciamento liberado beneficia os mais ricos. As inúmeras liberalidades na lei da fidelidade partidária --janelas, redução do período de filiação, criação de novos partidos-- enfraquecem e ampliam o quadro partidário. A redução do período de campanha desfavorece os novos políticos, os estreantes.

Os efeitos das reformas nas eleições de 2018 indicam uma predominância das motivações veladas. A concentração dos recursos públicos foi muito grande nos maiores partidos: principalmente PT, PSDB e MDB. O número de partidos com representação na Câmara aumentou para 30. Contudo, houve surpresas. O índice de renovação no Senado foi de 84%, o maior da nossa história recente. O índice de reeleição em relação aos que se candidataram na Câmara dos Deputados foi de 60%, frente aos 70% de 2014. Vários dos grandes nomes não voltarão em 2019. A sociedade surpreendeu a classe política. Entretanto a renovação provavelmente seria maior se as regras fossem as de 2014.

De toda sorte, o saldo das mudanças é um quadro político mais incerto, menos previsível e com uma composição surpreendente. Muito provavelmente, a governabilidade pagará o preço sem uma palpável redução da influência do dinheiro no processo eleitoral.

Lucio Rennó

Professor do Instituto de Ciência Política da UnB, doutor em ciência política pela Universidade de Pittsburgh (EUA) e ex-presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (2015-2018)

Rayssa Tomaz

Jornalista e secretária de comunicação do PV-DF

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