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Ivan Marques

'Rapaz, se cuide. Os mártires não são heróis'

Jean Wyllys está certo em sua escolha pela vida

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O diretor do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, em evento em São Paulo em 2016 - Bruno Poletti - 19.mai.16/Folhapress
Ivan Marques

Quem já conviveu com pessoas ameaçadas de morte sabe que elas vão morrendo aos poucos, a cada dia. Ao descreverem seus sintomas, como se sentem nessa situação, costumam dizer que estão “quebradas por dentro”. A alma craquela a cada dia em que viver passa a ser um risco iminente.

Junto com outras marcas que nos envergonham, a Anistia Internacional deu ao Brasil o título de país que mais extermina ativistas das Américas, principalmente aqueles considerados defensores de direitos humanos. Em outras palavras, há um ciclo de violência que decreta a morte de pessoas que deixam suas vidas privadas para fazer valer um direito que é garantido pelo ordenamento jurídico brasileiro e internacional.

Normalmente, essa defesa se faz em nome de um grupo de pessoas que, sem voz, alça alguém desprendido (ou corajoso) o suficiente para falar por todos –e expor-se a toda sorte de violência. São milhares de pessoas no Brasil e no mundo ameaçadas por sua atividade profissional, crença religiosa, atividade política ou simplesmente por pertencer a grupo específico.

Antes da morte chegam as ameaças. A estratégia da intimidação mira calar aqueles que clamam por direitos ou denunciam injustiças. A intenção é justamente expor o ser humano, individualmente, a um estado permanente de pânico, uma violência psicológica que vai corroer a vida pouco a pouco.

Ativistas ameaçados costumam valer-se de dois tipos de mecanismo de defesa: o físico e o psicológico. Para manter a integridade física procuram a coletividade, a exposição da ameaça, programas de proteção oferecidos por ONGs e governos (quando não são estes os ameaçadores) –ainda que nenhum aparato de segurança, pública ou privada, consiga fazer alguém ameaçado dormir em paz.

Interessante relembrar que em 2007 o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a criar um programa de proteção a defensores de direitos humanos (PPDDH). A política apostava na lógica de que estas pessoas são fundamentais para a sociedade brasileira porque são promotoras da cidadania. São os “canários de mina” das democracias, colocando em teste suas instituições.

Se defensores de direitos humanos exercem suas atividades protegidos pelas instituições, é sinal que há uma democracia forte. Ainda que com muitas dificuldades, o programa de proteção brasileiro era uma mensagem clara aos ameaçadores: os protegidos não estão sozinhos, o governo federal está ao lado deles.

Entretanto, são raros os casos em que a proteção física aplaca a violência psicológica. Contra essa violência, costumam apoiar-se no segundo mecanismo de defesa: fortalecer-se na própria causa. O sentimento de estar ao lado da justiça e da defesa de algo que é inerentemente seu ou de seu grupo é um antídoto poderoso contra o veneno da ameaça.

Nesta semana, Jean Wyllys anunciou que não assumirá sua cadeira na Câmara dos Deputados e que vai sair da vida pública para se manter vivo fora do Brasil. Está certo em sua escolha por uma vida segura. O Brasil já matou Chico Mendes, Dorothy Stang, Manoel Mattos, Nilce de Souza Magalhães, Marielle Franco e tantos outros nomes menos conhecidos (centenas de outros!). Mortos porque queriam fazer valer um direito. Somam-se aos 63.880 mortos de forma violenta que morreram sem causa nenhuma, por crime comum, este que vai nos matando todos os dias. Até quando seguiremos escolhendo o caminho da violência?

Ivan Marques

Advogado, ex-coordenador geral do Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos e diretor-executivo do Instituto Sou da Paz

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