Em memória dos três auditores-fiscais assassinados em 28 de janeiro de 2004, devido a inspeções para apurar denúncias de trabalho escravo em fazendas da região de Unaí (MG), o Brasil consagrou a data como “Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo”.
O nosso país carrega na sua história a mancha indelével de um longo passado de escravidão legalizada, cuja abolição formal, ocorrida em 1888, não foi suficiente para romper os grilhões da indignidade, da indiferença e da marginalidade social. Mais de cem anos se passaram e ainda estamos lutando para livrar do cativeiro mulheres e homens trabalhadores que são explorados, à luz do dia, pelos “senhores de engenho” do século 21.
Mesmo sendo signatário das Convenções 29 e 105 da OIT, somente em 1995 o país acordou para o problema, forçado por pressões sociais e por denúncia formulada perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em razão da morte de um trabalhador rural e de outro ferido ao tentarem fugir da Fazenda Espírito Santo, no Pará, onde 60 pessoas foram flagradas submetidas a trabalhos forçados e em condições desumanas (Caso 11.289).
É certo que a partir daí muitos avanços foram alcançados, sobretudo em razão de providências efetivas que passaram a ser adotadas pelos Ministérios do Trabalho e dos Direitos Humanos, bem como pelos Ministérios Públicos Federal e do Trabalho, que, em parceria com diversas outras instituições, formaram uma corrente de combate a essa chaga de indignidade, instituindo, dentre outras medidas, os chamados Grupos Móveis de Fiscalização.
No período de 1995 a 2018, mais de 2.000 operações de fiscalização foram realizadas, e cerca 53 mil trabalhadores foram resgatados da condição de escravo. Ainda que retratem apenas uma amostragem do cenário de desumanidade que ainda persiste nos campos e cidades do país, são números que impressionam e reforçam a necessidade de se prosseguir com as ações de combate.
Na seara legislativa, o grande marco histórico na luta pela erradicação dessa chaga social foi a alteração trazida pela Lei 10.803/2003 ao artigo 149 do Código Penal, que atualizou o conceito de escravidão contemporânea, não mais limitando-o à privação da liberdade de locomoção, mas estendendo a sua tipificação para casos de aviltamento explícito da dignidade humana, em que trabalhadores são expostos a condições degradantes de trabalho, com jornadas exaustivas ou mesmo forçados por dívidas com o patrão.
Importante ressaltar que o Brasil, além dos compromissos internacionais, tem uma Constituição pactuada sob os pilares do respeito à dignidade da pessoa humana e ao trabalho como valor social. É dever do Estado não se omitir quanto ao combate a todas formas de trabalho indigno, em especial àquele tipificado como análogo à condição de escravo. E o dia 28 de janeiro deve servir exatamente para alertar as autoridades públicas do país que a escalada do trabalho escravo persiste, resistente, matando e mutilando seres humanos, segregando sonhos e coisificando pessoas.
A liberdade é direito inalienável do ser humano; não há liberdade sem garantia de dignidade; não há dignidade sem justiça social; e sem liberdade, sem dignidade e sem justiça social não há democracia.
Trabalho escravo: uma realidade persistente
Houve avanços no combate, mas prática resiste no Brasil
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