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Zélia Luiza Pierdoná

Faz sentido haver idades diferentes para aposentadorias de homens e mulheres? Não

Direitos e deveres iguais

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A Constituição de 1988 instituiu o sistema de seguridade social, o qual é composto por três subsistemas: o da saúde, o da previdência e o da assistência social. Assim como em outras áreas, ela estabelece, de forma detalhada, as normas de cada um dos referidos direitos, sendo que, dentre as previdenciárias, estão aquelas relacionadas às aposentadorias. Nas citadas normas foram mantidas as diferenças de tempo e de idade, entre homens e mulheres, previstas na década de 60, para suas aposentadorias.

A Proposta de Emenda à Constituição, encaminhada nesta semana pelo presidente Jair Bolsonaro à Câmara dos Deputados, mantém o tratamento diferenciado entre homens e mulheres. Porém, não mais de cinco anos, mas de três anos, embora suprima as citadas diferenças para os trabalhadores rurais e para os professores.

O objetivo deste texto é analisar se faz sentido manter as diferenças de tempo e de idade para as aposentadorias. Para tanto, inicialmente deve ser ressaltado que a Constituição determina que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (art. 5º, I). Assim, somente ela pode estabelecer diferenças e, dentre aquelas fixadas no texto constitucional, foram mantidas as de tempo e de idade, para fins de aposentadoria.

Dessa forma, as citadas diferenças não são inconstitucionais. Entretanto podem ser inadequadas, especialmente se considerada a finalidade da proteção previdenciária. Isso porque a Previdência tem como objetivo a manutenção do nível de vida do trabalhador e de seus dependentes, substituindo os rendimentos do trabalho, quando diante de incapacidade laboral, real ou presumida.

As diferenças fáticas existentes entre homens e mulheres, tanto no âmbito doméstico (dupla jornada) quanto no profissional (acesso, condições laborais, remuneração etc.), não justificam a manutenção das diferenças de idade e de tempo de contribuição para fins de aposentadoria.

Isso porque os referidos fatos são irrelevantes para um benefício que tem como risco a presunção de incapacidade laboral, decorrente da idade avançada. As diferenças de tempo e de idade apenas seriam justificadas se a mulher se tornasse incapaz para o trabalho, antes que o homem, o que não ocorre. Segundo dados do IBGE, a estimativa, para 2017, é de que a mulher vive, em média, sete anos a mais que o homem.

Assim, as diferenças fáticas mencionadas acima não devem ser enfrentadas com a aposentadoria antecipada. Precisam ser tratadas com políticas públicas específicas e adequadas. Por exemplo, a dificuldade de acesso ao trabalho poderá ser enfrentada com educação de qualidade, creches para os filhos etc.; campanhas publicitárias poderão contribuir para a mudança da cultura relacionada aos papéis tradicionalmente definidos como das mulheres. 

Certamente são políticas que, além de promoverem a igualdade, contribuirão para a sustentabilidade da Previdência, já que serão muito menos onerosas que a antecipação das aposentadorias para as mulheres, as quais recebem por um período maior, pois vivem mais que os homens.

A economia de recursos permitirá maiores investimentos em políticas específicas, as quais refletirão na igualdade de oportunidades de acesso ao trabalho e na remuneração igualitária. E, como o benefício previdenciário reflete a remuneração auferida durante a vida laboral, se a mulher tiver o mesmo acesso e a mesma remuneração que o homem, também terá benefícios com os mesmos valores.

Portanto, considerando o objetivo da Previdência Social, as diferenças de tempo e de idade, para fins de aposentadoria, não apresentam justificativa e devem ser suprimidas, pois não contribuem para a superação das diferenças fáticas existentes entre homens e mulheres. Buscam compensar as desigualdades e não promover a igualdade.

 
Zélia Luiza Pierdoná

Procuradora regional da República e professora de seguridade social na Universidade Presbiteriana Mackenzie

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