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Leite derramado

Decepciona o recuo na decisão de reduzir tarifas que oneram a importação do produto em pó

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Vacas em fazenda na França
Vacas em fazenda na França - George Gobet - 23.mar.15/AFP

Para um governo que se propõe a levar adiante uma agenda liberal quase revolucionária para os padrões brasileiros, é no mínimo decepcionante o recuo numa simples decisão de reduzir tarifas que oneram a importação de leite em pó da Europa e da Nova Zelândia.

Por determinação do presidente Jair Bolsonaro (PSL), a tributação do produto subirá de 28% para 42,8%. Trata-se de uma concessão à bancada de parlamentares ligados à agropecuária —em tese ao menos, para facilitar a tramitação da reforma da Previdência.

A medida, na prática, reverte os efeitos da decisão do Ministério da Economia de extinguir outra taxa, chamada antidumping, prevista na legislação internacional para combater a competição desleal. A área técnica não via mais por que manter essa limitação ao comércio.

A pronta reação do setor, porém, fez Bolsonaro capitular. Ao tomar sua infeliz providência, o presidente correu a anunciá-la nas redes sociais. “Todos ganham, em especial os consumidores do Brasil.”
É falso. Como é óbvio, a tarifa concorre para elevar os preços.

Decerto que empecilhos ao livre comércio são encontradiços no agronegócio em todo o mundo. A resistência europeia em liberalizar o setor, aliás, representa uma das principais controvérsias a dificultar um acordo com o Mercosul. 

Nada disso, entretanto, se relaciona com a decisão específica a respeito do leite em pó, que pareceu tão somente uma rendição a um lobby influente. 

Trata-se de um péssimo indicativo da real disposição do mandatário de bancar a agenda de abertura defendida por sua equipe econômica. Cabe lembrar que a redução de custos para aquisição de insumos, maquinário e informática importados consta da lista de prioridades dos primeiros cem dias de governo divulgada pela Casa Civil.

Se há recuo tão rápido num caso tão prosaico, nada sugere que haverá mais firmeza na hora de discutir importações de aço, produtos petroquímicos, equipamentos industriais ou computadores. Ou de enfrentar as corporações estatais na reforma previdenciária.

Não seria desejável, de fato, uma liberalização brusca do comércio. O produtor nacional, nos mais diversos setores, enfrenta problemas sistêmicos de competitividade, que passam por regime tributário, escassez de crédito, gargalos logísticos e burocracia, entre outros.

No entanto o governo precisa mostrar que dispõe de estratégia, clareza de propósitos e, sobretudo, coragem de contrariar interesses.

editoriais@grupofolha.com.br

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