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José Roberto Afonso e Leonardo Ribeiro

Saída alemã para crise federativa

Solução para estados passa por reformas na legislação

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Mato Grosso, governado por Mauro Mendes, decretou estado de 'calamidade financeira'
Mato Grosso, governado por Mauro Mendes, decretou estado de 'calamidade financeira' - Mayke Toscano/Gov-MT
José Roberto Afonso Leonardo Ribeiro

A maioria dos governos estaduais brasileiros enfrenta graves problemas financeiros. O equacionamento da crise fiscal dos estados exigirá intervenção da União, que deverá atuar como líder e coordenadora da Federação. 

Nosso regime fiscal não é similar ao modelo americano, no qual cada estado é autônomo para assumir as consequências de desequilíbrios orçamentários. Nosso federalismo lembra o sistema adotado na Alemanha: as regras gerais do jogo são definidas pelo governo federal, e o resultado da partida depende de instituições capazes de coordenar a política fiscal adotada pelos diferentes entes federativos. 

No sistema americano, os estados adotam suas próprias regras fiscais. Podem também se endividar no mercado financeiro para financiar as políticas públicas locais. Em terras norte-americanas, é o mercado que monitora a saúde financeira de cada estado. Desequilíbrios no Orçamento passam a impressão de inadimplência, elevando o custo do endividamento —como acontece com o setor privado. O governo federal americano não socorre financeiramente um estado em crise. 

Voltemos ao caso brasileiro. Aqui os estados podem contratar servidores públicos pelo regime celetista, que não prevê a estabilidade no emprego? Podem criar suas próprias regras fiscais? Podem se endividar sem precisar de aval e garantia do Tesouro? Podem reformar a previdência do setor público livremente? Podem regulamentar por conta própria as bases de cálculos e os fatos geradores dos impostos de competência estadual? Podem definir o percentual da receita aplicado em gastos com saúde e educação? Não. Essa é a resposta em todos casos.

No Brasil, tudo isso é regulado pela Constituição ou lei complementar federal. Apesar de submetidos a duras regras fiscais, os estados brasileiros não gozam de autonomia plena para implantar planos de emergência fiscal. A solução para a crise fiscal dos estados passa seguramente por reformas na legislação federal. 

Nosso federalismo fiscal é do tipo integrado, como o da Alemanha, o que torna essencial levarmos em consideração os preceitos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico): necessidade de instituições de coordenação e harmonização da política fiscal, regras uniformes impostas pelo governo federal (“top-down”) e possibilidade de socorro financeiro do governo central quando necessário. Esse entendimento faz toda a diferença no debate.

A crise é grave, como revelam os números da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal. Na média, os governos estão gastando com folha de pessoal algo em torno de 70% da despesa total. Quase todos os regimes de previdência pública dos estados são deficitários. No estado do Rio de Janeiro, onde a situação é calamitosa, o gasto com aposentados no setor público é muito superior ao montante despendido com os que estão trabalhando. O estado opera com déficit primário desde 2012.

Para enfrentar a crise, o governo federal deveria considerar as reformas fiscais que aconteceram na Alemanha em 2010. Além de aprovar um pacote de auxílio financeiro aos estados, o governo alemão aprovou novas regras fiscais e uma instituição intergovernamental —o Stability Council— para coordenar o processo de recuperação fiscal no âmbito da Federação. Por que não criar no Brasil o conselho de gestão fiscal, já previsto no artigo 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal?

Precisamos de um conselho intergovernamental para coordenar o ajuste fiscal dos estados, harmonizando as interpretações técnicas das regras fiscais e das normas previstas na LRF e divulgando estatísticas fiscais padronizadas com base em normas uniformes de contabilidade estabelecidas pelo próprio conselho. Dessa forma, construiremos um arcabouço institucional para garantir a sustentabilidade do federalismo brasileiro.

José Roberto Afonso

Doutor em economia e professor do IDP

Leonardo Ribeiro

Analista do Senado Federal e especialista em orçamento público pelo ISC/TCU (Instituto Serzedello Corrêa/Tribunal de Contas da União)

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