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Almir Teubl Sanches

A cada Justiça o que é seu

Mudança pode garantir a impunidade de poderosos

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Estátua da Justiça, em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, em Brasília
Estátua da Justiça, em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, em Brasília - Alan Marques - 12.nov.12/Folhapress
Almir Teubl Sanches

O futuro do combate à corrupção estará em jogo no STF (Supremo Tribunal Federal) nesta quarta-feira (13), quando poderá ser decidido a quem compete julgar delitos conexos a crimes eleitorais. 

Se entender que compete à Justiça Eleitoral o julgamento de crimes comuns de corrupção, o STF sentenciará de morte os esforços até aqui realizados no combate à corrupção, com possibilidade inclusive de nulidade de sentenças já proferidas.

A transferência de investigações criminais complexas certamente será uma maneira de garantir a impunidade de investigados poderosos. E isso por que toda a estrutura da Justiça Eleitoral foi pensada para uma finalidade que nada tem a ver com o julgamento de crimes complexos da comum. A bem da verdade, trata-se de uma estrutura incompatível com investigações de grandes esquemas de corrupção.

A Justiça Eleitoral foi criada, em 1932, com uma missão institucional muito específica: retirar a organização do processo eleitoral de governantes interessados em seus resultados. Desta finalidade decorrem duas de suas principais funções, que são, aliás, atípicas ao Poder Judiciário: a administrativa, que a possibilita cuidar de aspectos concretos da realização das eleições (atuação executiva), e a regulamentar, que a permite elaborar as regras que regem o processo eleitoral (atuação legislativa). Apenas subsidiariamente há a função jurisdicional de julgar demandas relacionadas às eleições.

Desse caráter atípico originam-se várias de suas peculiaridades. Seus juízes são temporários, atuando de 2 a 4 anos na vara eleitoral (1 ou 2 biênios), sendo cedidos por outros ramos do Judiciário, e, não raro, cumulando funções. 

Além disso, sua constituição é mista, havendo advogados que compõem os tribunais (no TSE e em cada TRE dois advogados indicados pelo presidente da República) e cidadãos comuns atuando ao lado do juiz nas juntas eleitorais.

Nenhum demérito aqui à Justiça Eleitoral, que funciona bem para a finalidade que foi pensada. No entanto, é fadar ao fracasso o combate à corrupção querer atribuir as investigações mais complexas a um ramo especializado primordialmente na atividade administrativa e regulamentar de realização e regulação das eleições, com toda a sua estrutura direcionada para isso. 

Seriam declinados à Justiça Eleitoral justamente alguns dos casos mais sensíveis do direito criminal comum, sabendo-se que ela não tem (nem deveria ter) estrutura para processar esse tipo de crime. O mais preocupante é que bastaria ao agente político corrupto alegar que ao menos parte dos recursos ilícitos recebidos o foi em razão de campanha eleitoral para se valer deste trunfo de impunidade.

Recentemente chamou a atenção da opinião pública a confissão do ex-governador Sérgio Cabral (que, é sempre bom lembrar, nada tem de colaboração premiada). Duas partes dessa confissão são eloquentes no presente debate. 

Primeiramente, Cabral, que sempre afirmou que os recursos ilícitos por ele recebidos eram provenientes de caixa dois de campanha eleitoral, agora admite que a maior parte era, sim, propina recebida em razão de obras públicas. 

Em segundo lugar, o ex-governador reconhece que nunca levou fé nas investigações e acreditava que seria encontrada uma “saída política” para garantir impunidade a ele e a outros políticos corruptos.

Caso o STF tome a decisão equivocada a partir do julgamento desta quarta-feira (13), é bem provável que investigações que poderiam vir a ser futuras condenações e até confissões de agentes políticos que roubaram muitos recursos da saúde e da educação dos cidadãos sejam substituídas pelo riso de escárnio de quem apostou contra a Justiça e em uma “saída política” para garantir a impunidade de seus crimes.

Almir Teubl Sanches

Procurador da República lotado na Força-Tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro desde 2017, mestre e doutor em teoria geral e filosofia do direito pela USP e especialista em direito público pela ESMPU

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