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Fernando Rezende

A outra face do déficit previdenciário

Estabilidade no fluxo de despesas não convive com a instabilidade no das receitas

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Fernando Rezende

O déficit em qualquer conta é o resultado do desencontro entre dois fluxos financeiros. De um lado, a corrente alimentada pelo crescimento dos gastos, cujo volume vem se expandido rapidamente ao longo dos anos. De outro, o formado pelas receitas, cujo volume precisa acompanhar o ritmo do primeiro para que ambos se mantenham em equilíbrio.

Não é o que acontece no espaço percorrido por esses dois fluxos. Enquanto o fluxo das despesas veio ficando mais caudaloso em razão da continua injeção de novos aportes em seu leito, o mesmo não se verifica no fluxo das receitas, que vem perdendo força em virtude de incentivos à informalidade e à opção por novas formas de contração de serviços profissionais gerados pela pesada carga de impostos que oneram o custo da mão de obra e, mais recentemente, por inovações tecnológicas que repercutem no mundo do emprego.

Comportamentos divergentes com respeito à evolução desses fluxos resultam de características distintas com respeito à natureza do gasto e de seu financiamento. Despesas com o pagamento de benefícios previdenciários não são sensíveis a oscilações no ciclo econômico, à diferença do que ocorre com a fonte de seu financiamento. Se a conjuntura econômica é desfavorável, as receitas sofrem os efeitos decorrentes da queda no emprego e de eventuais perdas no valor real dos salários, ao passo que os benefícios não são afetados pela crise e podem, inclusive, acompanhar o crescimento econômico durante a recuperação.

A estabilidade no fluxo de despesas não convive com a instabilidade no fluxo das receitas. Cabe chamar atenção para esse fato, para que ambos os fluxos exibam características similares, com respeito à estabilidade e à baixa sensibilidade a oscilações na economia, de modo a corrigir os desequilíbrios estruturais das contas previdenciárias. Se nada for feito desse lado, o desencontro entre os fluxos de receitas e de gastos não será corrigido. Urge corrigir a atrofia da outra face do déficit da Previdência.

Da mesma forma que o avanço da economia digital provoca a erosão da base atual, ela também oferece oportunidades para tratarmos de uma nova base de financiamento para a Previdência. Nos novos modelos de organização dos negócios, que se disseminam no mundo com a incorporação de novas tecnologias e a escala da globalização das diferentes etapas do processo produtivo, o registro das transações financeiras, que ocorrem ao longo desse processo e concorrem para seus resultados, fornece uma fonte segura e de fácil fiscalização para a aplicação de tributos, ou seja, compõe uma nova base imponível que deverá crescer em importância na economia digital.

Por apresentar características similares às exibidas pela despesa com o pagamento de benefícios previdenciários, estabilidade nas receitas e baixa sensibilidade a oscilações no ciclo econômico, essa nova base é uma forte candidata a substituir a base atual de financiamento da Previdência Social.

Sempre que sugestões de adotar uma nova base tributária, como a sugerida neste artigo, são apresentadas reações contrárias destacam efeitos negativos na economia, ignorando que, passados mais de 20 anos de uma primeira experiência nessa linha, a realidade de hoje exige que o assunto seja reavaliado de outra perspectiva. Como toda a inovação que vem antes da hora, a rejeição se estende por algum tempo, até que a sociedade aceite as mudanças, haja vista as severas críticas que os promotores da semana da arte moderna sofreram em São Paulo à época. Cabe, portanto, relembrar as sábias palavras do notável escritor Victor Hugo: “ninguém pode parar uma ideia cujo tempo chegou”. 

Fernando Rezende

Ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (1996-1999), economista e professor na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, da FGV

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