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Kleber Cabral e Marchezan Taveira

Auditores-fiscais e o papel institucional da Receita

Não há 'arapongagem', Gestapo ou bisbilhotice

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Kleber Cabral Marchezan Taveira

Os recentes vazamentos de informações sigilosas de posse da Receita Federal, conquanto absolutamente censuráveis, expõem uma faceta do órgão que a sociedade infelizmente pouco percebe: os auditores-fiscais não se omitem diante de indícios de crimes e fraudes tributárias. Daí a concluir que o órgão está sorrateiramente tentando fazer as vezes de polícia judiciária e conduzindo investigações penais —como alguns querem fazer crer— vai uma boa e considerável distância. 

Ao apurar sonegação e evasão tributária, auditores frequentemente se veem diante de outros ilícitos de ordem criminal. Coletar os elementos disponíveis e repassá-los ao Ministério Público não é sinal de voluntarismo, mas obrigação funcional. 

Isso se dá por meio da denominada representação fiscal para fins penais, nos casos em que são identificados fatos que, em tese, configuram crimes contra a ordem tributária e outros delitos relacionados, como lavagem de dinheiro, corrupção, falsidade ideológica, contrabando e descaminho. Ao Ministério Público compete apurar os fatos e promover a ação penal, observando, na hipótese de contribuintes com prerrogativa de foro, o encaminhamento às autoridades competentes. 

O Brasil é signatário de convenções internacionais cujo intento é reforçar o compromisso dos países membros com a prevenção e combate aos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Neste contexto, Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional), OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e OMA (Organização Mundial das Aduanas) consideram que as autoridades tributárias têm papel primordial na identificação de movimentação financeira para lavagem de dinheiro. 

O ministro Gilmar Mendes, do STF, durante sessão na corte, em Brasília, em junho de 2018
O ministro Gilmar Mendes, do STF, durante sessão na corte, em Brasília, em junho de 2018 - Pedro Ladeira - 19.jun.18/Folhapress

Não sem razão, a Receita tem assento e participação ativa na Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro) e integra a Força-tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado, criada pelo decreto 9.527/2018, sob coordenação do Gabinete de Segurança Institucional.

Diante de tais elementos, não pode haver dúvida alguma de que cabe aos auditores-fiscais um papel fundamental não somente no enfrentamento dos ilícitos tributários e aduaneiros mas também no tocante a crimes conexos que venham a ser identificados. 

Com os recentes vazamentos, o “ataque reputacional” —na expressão utilizada por Gilmar Mendes— não foi só direcionado ao ministro do Supremo. Já está claro que a reputação da Receita Federal é também alvo da investida. 

Listas de contribuintes que apresentam indícios de irregularidades fiscais são produzidas quase todos os dias nas unidades do órgão. Tais ações na fase preliminar de pesquisa e seleção devem ser, obviamente, sigilosas. O contribuinte só toma conhecimento ao ser intimado do efetivo início da fiscalização. Para pessoas politicamente expostas, no Brasil, não é diferente.

Portanto, mesmo expressando solidariedade ao ministro pela odiosa quebra de sigilo, é necessário reforçar que os auditores-fiscais atuam ordinariamente dentro da mais estrita legalidade. Não há “arapongagem”, Gestapo ou bisbilhotice. O que há é um órgão de Estado tentando apenas cumprir sua missão constitucional, em nome da sociedade, sem considerar uns mais iguais do que outros.

Kleber Cabral

Auditor fiscal da Receita Federal e presidente do Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal)

Marchezan Taveira

Auditor-fiscal e diretor do Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal)

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