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José Carlos Dias, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Pedro Dallari e Rosa Cardoso

Do golpe de 1964 à ditadura

Regime cometeu crimes contra a humanidade

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Tanques do Exército na avenida Presidente Vargas, no centro do Rio de Janeiro, em 31 de março de 1964 - Divulgação/Arquivo Nacional
José Carlos Dias, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Pedro Dallari e Rosa Cardoso

O golpe militar de 1964 que depôs o presidente João Goulart, foi violação deliberada e ilegal das regras constitucionais, apoderando-se dos órgãos e do poder político.
 
Apesar de se revestir de discurso dissimulador em defesa da democracia, o regime que emergiu do golpe de estado foi seu maior violador. 

O novo poder nem esperou sua formalização pelo Congresso Nacional para iniciar onda repressiva depuradora. Eliminadas as garantias constitucionais, mandatos políticos foram cassados, direitos políticos foram suspensos.

Logo no dia 1º de abril, os diversos comandos militares procederam a centenas de prisões. Perseguição violenta se abateu sobre indivíduos e organizações identificados com o governo anterior. Sete em cada dez confederações de trabalhadores e sindicatos tiveram suas diretorias depostas. Nos dias seguintes ao golpe, prenderam-se milhares de cidadãos, e a ocorrência de brutalidades e torturas foi comum.

Durante 21 anos os brasileiros estiveram submetidos a governos militares autoritários, sob cinco presidentes generais escolhidos pelo Alto Comando das Forças Armadas. Em seguida indiretamente “eleitos” por um Congresso manietado por cassações e obrigado sempre a escolher o general de Exército indicado. Nunca na República o país tivera tanto poder discricionário concentrado nas mãos de um chefe no vértice do Estado. 

Criou-se um ordenamento legal que permitia o controle da atividade política tolerada. Aperfeiçoou-se um sistema repressor complexo, que permeava as estruturas administrativas do poder público e exercia uma vigilância permanente sobre sindicatos, organizações profissionais, igrejas, partidos. Burocratas censuravam, intimidavam ou proibiam manifestações de opiniões e expressões culturais percebidas como hostis ao governo.

A repressão, eliminação de opositores políticos e graves violações de direitos humanos perpetradas durante 21 anos pelo regime instaurado pelo golpe de 1964 foram resultado de uma ação generalizada e sistemática do Estado brasileiro.

Converteram-se em política de Estado, concebida e implementada a partir de decisões emanadas da Presidência da República e dos ministérios militares. Operacionalizada através de cadeias de comando, mobilizou agentes públicos em um contexto generalizado e sistemático de ataque do Estado contra a população civil. A tortura, sistematicamente empregada pelo Estado brasileiro desde o golpe de 1964, constituía peça fundamental do aparelho de repressão montado pelo regime. Tornou-se instrumento de poder e de preservação do governo, com destinação de recursos, ocupação de espaços e uso de pessoal próprio.

É fato documentado que entre o golpe de 1964 e 1985 prevaleceu no Brasil regime de exceção que torturou, matou e “fez desaparecer” milhares de pessoas —dentre elas, estudantes, militantes políticos e sindicalistas. Embora o número não seja definitivo, foram plenamente identificados 434 casos de mortes e desaparecimentos sob responsabilidade do Estado brasileiro, reconhecida por lei em 1985. 

Essa prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias e tortura, desaparecimentos forçados, execuções e ocultação de cadáveres que se abateu sobre milhares de brasileiros caracterizam o cometimento de crimes contra a humanidade. 

Por essas razões, exaustivamente documentadas pela Comissão Nacional da Verdade, instituída por lei e cujo relatório é a versão oficial do Estado brasileiro sobre o regime militar, o golpe de estado de 1964 e o regime que instaurou, são incompatíveis com os princípios da Constituição de 1988 que regem hoje o Estado democrático de direito. 

Comemorar o golpe de 1964 significa celebrar as graves violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade a partir deles perpetrados, e até hoje impunes, implicando intolerável apologia da violência. 

José Carlos Dias, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Pedro Dallari e Rosa Cardoso

Ex-integrantes da Comissão Nacional da Verdade (CNV)

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