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Heni Ozi Cukier

Hiato de representatividade

Ano novo, presidente novo, governador novo, Legislativo antigo

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Heni Ozi Cukier

Esta é a realidade no Congresso Nacional e nas Assembleias estaduais neste começo de ano. Uma das tantas inconsistências de nosso sistema político é a incompatibilidade entre as datas de posse do Executivo e do Legislativo. A incoerência começa na Constituição, que determina a posse em 1º de janeiro para presidentes e governadores e em 1º de fevereiro para deputados federais —além de não determinar um dia para a posse dos deputados estaduais, deixa a escolha a critério de cada unidade federativa.

No estado de São Paulo, por exemplo, enquanto o governador João Doria tomou posse no dia 1º de janeiro, os deputados estaduais eleitos começam a trabalhar apenas na próxima sexta (15), a data mais tardia do país! Esse intervalo, de 75 dias, causa problemas políticos e financeiros para o estado. Da mesma forma, a lacuna de 31 dias na esfera federal causa problemas para o país.

Os problemas políticos abalam a essência de uma democracia com equilíbrio entre os três Poderes. Enquanto o Executivo já está formado e representa a escolha mais recente do eleitor, o Legislativo ainda tem a configuração antiga, o que, somado ao recesso tradicional de início de ano, causa um descompasso latente entre os Poderes. Essa falta de sintonia prejudica tanto a aprovação de projetos do novo governo quanto a fiscalização por parte do Legislativo.

Com o Legislativo defasado e sem a mesma representatividade, o processo político como um todo fica estancado, fazendo com que as possíveis soluções para os anseios populares sejam postergadas ou fiquem sem a devida discussão. Outra parte primordial do processo democrático é o papel da oposição, que também é prejudicado tendo em vista que seus integrantes ainda não possuem o fórum adequado para contestar o governo, além de não terem os poderes de fiscalização e obstrução necessários para o pleno funcionamento do sistema de “freios e contrapesos”.

O período entre as eleições e a posse é fértil na aprovação de pautas-bomba e outras medidas prejudiciais ao estado e ao país. Com as Casas legislativas coalhadas de deputados que já perderam as eleições, ou de suplentes com mandatos “tampões”, os políticos, sabendo que não terão continuidade no cargo, muitas vezes legislam com menos responsabilidade e sem a pressão popular, outro dano à democracia representativa.

Não podemos esquecer também que no começo dos mandatos do Executivo existe a famosa "lua de mel", em que os governantes têm mais facilidade e apoio da população para apresentar projetos e propor soluções. Esse período acaba prejudicado pela falta de sincronia e, portanto, as reformas importantes, como a da Previdência, por exemplo, acabam enfrentando mais resistência.

Os desequilíbrios financeiros não são menores: as já citadas pautas-bombas prejudicam o Orçamento, e em tempos de déficit nas contas públicas podem ser mortais para o próximo governo. Outra questão importante é a conta referente às contratações de equipe para os suplentes que assumem por poucos meses. Apesar de já ser um gasto previsto, gastam-se muito tempo, energia e recursos com as diversas contratações e demissões geradas por esse troca-troca.

Tendo em vista todo esse quadro, precisamos pensar em mudanças na legislação eleitoral para o próximo ciclo. Para acabar com as assimetrias, precisamos determinar uma data de posse para todos os cargos, do Legislativo e do Executivo, sejam eles federais, sejam eles estaduais. Isso só pode ser feito por meio de uma emenda à Constituição, que seria parte da tão desejada reforma política. Essa medida está longe de resolver todos os nossos problemas, mas seria um pequeno passo em direção a um sistema político mais funcional e harmônico, desejo de todos os brasileiros.

Heni Ozi Cukier

Deputado estadual eleito pelo Novo, professor de risco político da ESPM e cientista político

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