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O fim do horário de verão é uma decisão acertada? Sim

A hora de acertar os ponteiros

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Adriano Pires, diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura) - Moacyr Lopes Junior - 27.ago.14/Folhapress
Adriano Pires

O horário de verão foi instituído pela primeira vez, em 1931, por Getúlio Vargas. A medida, no entanto, só passou a ser adotada de forma contínua a partir de 1985, por meio de decreto. O objetivo era reduzir o consumo de energia elétrica na ponta —o horário em que são acionadas as usinas mais caras.

A adoção do horário de verão faz sentido principalmente em locais mais afastados dos trópicos, onde a sazonalidade é maior e o período luminoso varia muito de acordo com a estação do ano. 

Essa é a razão pela qual quase todos os estados das regiões Norte e Nordeste, mais próximos à linha do Equador, foram excluídos da medida a partir de 1990. A mesma lógica pode ser usada para explicar o motivo de muitos países do hemisfério Norte, que são de clima temperado, adotarem o horário de verão.

Historicamente, desde o início da implantação da medida no Brasil, o consumo residencial e a iluminação pública eram responsáveis por parte significativa da demanda. O horário de ponta era registrado no fim do dia, em torno de 18h, 19h, quando as pessoas chegavam em casa e ligavam luzes, televisão, ventilador e outros eletrodomésticos.
 
O horário de verão, que adiantava em uma hora o relógio, mudava os hábitos das pessoas, que passavam a chegar mais tarde em casa. Como consequência, o consumo ficava mais diluído entre as 18h e as 21h, e a demanda da ponta era reduzida.

Nos últimos anos, porém, não é isso que se tem observado. Devido à melhoria na qualidade de vida, houve uma disseminação do uso de ar-condicionado. Dessa forma, a demanda de ponta foi deslocada para o período da tarde, entre as 14h e as 15h, momento em que os aparelhos de escritórios e unidades comerciais estão ligados.

Essa mudança de hábito anulou os benefícios trazidos pelo horário de verão para o setor elétrico. Isso fica muito claro quando analisamos dados do Ministério de Minas e Energia, que indicam uma economia de R$ 405 milhões em 2013 e de R$ 147,5 milhões em 2016 —último dado divulgado, o que representa uma queda de 64%.

Outro fator interessante é a variação da carga horária, disponível no site do Operador Nacional do Sistema Elétrico. Em 2000, durante as últimas semanas do horário de verão, a demanda de ponta era cerca de 48 mil MWmed, registrada às 20h. Logo após o fim do horário de verão, a demanda na ponta subiu para 51 mil MWmed, um aumento de 6,3%, registrada às 19h. Já em 2019, o aumento de demanda na ponta foi de apenas 1,3% após o fim do horário de verão. A carga registrada subiu de 80 mil MWmed, às 15h, para 81 mil MWmed às 14h.

Entre 2000 e 2019, aumentou também a participação do setor comercial no consumo final de eletricidade, que pulou de 12% para 15%. Esse crescimento representou uma carga adicional de 43 TWh, praticamente dobrando o consumo do setor.

O cenário contribuiu, ainda, para deslocar a demanda de ponta, que saiu do turno da noite para o período da tarde, que coincide com o horário comercial.

Diante de todos esses fatos ocorridos nos últimos anos, em particular o deslocamento do consumo de ponta de 19h para 14h, não faz mais sentido interferir nos hábitos da população brasileira, dado que os ganhos em termos de redução do consumo estão tendendo a zero. Dessa forma, foi inteiramente acertada a medida adotada pelo governo federal e pelo Ministério de Minas e Energia de acabar com o horário de verão.

Adriano Pires

Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), economista e doutor em economia industrial pela Universidade Paris 13

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