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Victor Rufino

O papel do Cade no setor de meios de pagamento

Zerar taxa de cobrança é venda casada, não desconto

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Pagamento realizado com a chamada "maquininha" de cartão - Karime Xavier - 17.jul.18/Folhapress
Victor Rufino

Poucas indústrias afetam de maneira tão sensível o varejo quanto a de meios de pagamento. A relação entre credenciadoras de cartões (as “maquininhas”), bancos e varejistas é essencial à inclusão financeira e ao fomento da economia. Logo, não surpreende a atenção dada ao anúncio, no último dia 17, da credenciadora Rede e do Itaú, que a controla, sobre o fim da cobrança da taxa de antecipação de recebíveis.

A taxa recai sobre o adiantamento de parte do valor das vendas de crédito à vista de um lojista, desde que o pagamento seja feito em conta do Itaú. A controversa medida surge à contramão da expansão do setor de cartões, intimamente ligada à ampliação da competitividade e ao ingresso de concorrentes inovadores.

Por isso, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que tem sido fundamental nessa construção, abriu investigação para apurar a legalidade da prática, por tratar-se de venda casada.
Desde 2009, quando o Cade e o Banco Central levaram ao fim definitivo da pergunta “vai pagar com Visa ou Master?”, os órgãos têm sido proativos na adoção de medidas pró-competitivas no setor. Os resultados são expressivos: com a quebra da exclusividade credenciadora/bandeira, a taxa cobrada pelos cartões caiu 20%, segundo a Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços).

A preocupação do Cade passou a ser a potencial combinação de esforços entre credenciadoras e seus bancos controladores para dificultar o acesso ao mercado por “players” independentes. Isso gerou sucessivas ações para garantir um ambiente equalizado em que o processo competitivo fizesse sua parte.

Após investigações, em julho de 2018 o Itaú e a Rede se comprometeram, por meio de um TCC (Termo de Compromisso de Cessação) junto ao Cade, com medidas que vedam a venda casada, subsídios cruzados, retaliações e o tratamento discriminatório a concorrentes. Buscou-se restringir a possibilidade de o banco privilegiar de forma anticompetitiva credenciadora por ele controlada e vice-versa. 

O conglomerado, agora por meio da Rede, oportunisticamente, tenta frustrar o acordo e, após a procuradoria do Cade agir prontamente solicitando informações, denomina a conduta de “desconto”. Deve-se atentar que o desconto condicionado à contratação de outro serviço se trata de venda casada e pode incluir subsídio cruzado.

A medida anunciada reforça práticas discriminatórias historicamente combatidas pelo Cade. Ao zerar a taxa apenas para a sua credenciadora, o Itaú aprofunda a relação vertical e dificulta o acesso de competidores ao mercado. Caso não esteja, de fato, isentando o pagamento, falta com a transparência na precificação de seus serviços. Medidas assim são nocivas aos entrantes, que cumprem importante papel de inovação: as credenciadoras independentes têm reduzido a dependência do comerciante em relação aos bancos, facilitando o acesso a serviços financeiros com melhores condições. Ao ferir a concorrência, o prejudicado será o lojista, que poderá ver uma oferta menor de serviços.

O Cade segue atento às práticas do Itaú e da Rede, agora obrigados a prestar esclarecimentos sobre a campanha. A autoridade não deve permitir que uma jogada de mídia esvazie o esforço dos últimos dez anos de fomentar a concorrência nesse setor.

É fundamental que o Cade firme energicamente sua bem-sucedida tradição de vigilância, defenda a fiel execução do TCC e proteja o processo competitivo, dissuadindo práticas semelhantes.

Victor Rufino

Sócio do Mudrovitsch Advogados e ex-procurador-chefe do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)

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