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Edmundo Antonio Dias Netto Junior e Wilson Rocha Fernandes Assis

A desconstrução da participação social

Exercício da cidadania é fundamento da República

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Criança da comunidade quilombola Rio dos Macacos, na Bahia - Valda Nogueira - 17.nov.18/Farpa/CIDH
Edmundo Antonio Dias Netto Junior

Procurador da República do Ministério Público Federal e membro do coletivo 'Por um Ministério Público Transformador' - MP Transforma

Wilson Rocha Fernandes Assis

Procurador da República e representante do Ministério Público Federal no Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais

Ela se apresentava como várias: mulher, negra, quebradeira de coco babaçu, quilombola. Entre os babaçuais do Maranhão, na comunidade quilombola Monte Alegre, Maria de Jesus Bringelo, a Dona Dijé, abriu trilhas para os povos e comunidades tradicionais de todo o país lutarem por seus direitos e territórios tradicionais.

Estivemos com ela em julho de 2018, quando Dona Dijé recebeu em sua comunidade representantes desses povos e comunidades, que aguardavam a instalação do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT).

O CNPCT é um dos vários colegiados que se articulam com a Política Nacional de Participação Social, instituída em 2014 e revogada, mês passado, pelo presidente da República, com a edição do decreto 9.759, o qual também extingue conselhos, comitês e outros colegiados, além de estabelecer diretrizes e limitações para os que venham a ser “recriados”.

O decreto 9.759 permite que sejam encaminhadas à Casa Civil, até o próximo dia 28, propostas de recriação de colegiados, “sem quebra de continuidade dos seus trabalhos”.

Muito mais grave que a inépcia lógica da recriação de colegiados que, para o decreto, não foram extintos (o que ocorrerá a partir de 28 de junho), é a desconstrução da democracia participativa, reduzindo instâncias de participação social, vias de exercício da cidadania (um dos fundamentos da República) e mecanismos, necessários ao princípio republicano, de controle social do governo.

A formulação de políticas públicas voltadas, entre outros, para idosos, população em situação de rua ou erradicação do trabalho escravo, poderá perder os múltiplos olhares da sociedade civil. Enquanto pende a incerteza sobre a recriação dos colegiados que se encontram na mira do decreto 9.759, foi editado mais um decreto, o de número 9.784, que extinguiu outros 55.

Em relação aos colegiados que envolvem a participação de indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais, sequer é possível sua extinção ou limitação sem prévia consulta aos interessados, nos termos do que estabelece convenção da Organização Internacional do Trabalho, devidamente incorporada ao direito brasileiro.

Porém, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos produziu uma nota técnica propondo uma minuta de decreto que reduz de 28 para 12 os segmentos hoje representados no CNPCT, misturando em uma mesma representação categorias díspares como ribeirinhos e veredeiros, ou geraizeiros e apanhadores de flores sempre vivas.

Dona Dijé morreu poucos dias depois de ter tomado posse no CNPCT, em setembro do ano passado. Ao longo de sua vida, muito ensinou sobre o significado da fabulosa diversidade pluriétnica e multicultural do país.

Se o governo realmente levar adiante o empobrecimento representativo desse conselho, várias comunidades tradicionais deixarão de dispor, em âmbito federal, de um espaço institucional para informar as políticas públicas com suas necessidades e enriquecê-las com seus saberes e fazeres.

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