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Tatiana Lacerda Prazeres

A guerra comercial vista de Pequim

Chineses parecem se preparar para longa rivalidade estratégica com os EUA

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Os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da China, Xi Jinping, durante encontro em Pequim - Jim Watson - 08.nov.17/AFP
Tatiana Lacerda Prazeres

A guerra comercial entre China e EUA está na capa dos jornais de todo o mundo. Um ângulo pouco explorado desta história é o olhar da imprensa chinesa sobre o assunto. Como a China tem comunicado, para o público interno e externo, sua visão sobre a guerra comercial?

Claramente, o tom subiu em Pequim. Até muito recentemente, a China vinha adotando um discurso conciliador, mesmo que acompanhado de medidas de retaliação às barreiras americanas. O "China Daily", jornal oficialista em inglês, chegou a publicar editorial com o argumento de que os líderes chineses não estariam demonstrando fraqueza —mas, sim, sabedoria— com o tom conciliador e o foco em uma solução negociada.

Isso mudou nas últimas semanas. Em primeiro lugar, com o anúncio de novo aumento de tarifas sobre produtos chineses e, depois, com a decisão norte-americana de limitar ao máximo a atuação da empresa chinesa Huawei sob o argumento de segurança nacional.

A resposta chinesa, acompanhada de mais tarifas sobre produtos americanos, veio rapidamente: a China não quer brigar, mas tampouco tem medo de briga. E lutará até o fim, se necessário. Essas frases foram ditas e repetidas à exaustão pela imprensa chinesa nos últimos dias.


O aumento do tom veio acompanhado de uma pitada adicional de nacionalismo. “Os Estados Unidos já deveriam ter-se dado conta de que o povo chinês nunca aceitará nenhuma forma de chantagem ou extorsão”, diz um editorial recente.

Referências têm sido feitas aos chamados “acordos desiguais” do passado, quando, na virada para o seculo 20, a China foi forçada a aceitar termos desfavoráveis em tratados com potências ocidentais (inclusive, por exemplo, a cessão de Hong Kong por 99 anos).

A China de hoje é outra —lembram, a todo tempo, imprensa e governo. A crise com os EUA também tem servido para impulsionar a autossuficiência chinesa em tecnologias chave.

Os chineses buscam demonstrar confiança na sua economia. Tentam transmitir a mensagem de que os EUA não conseguirão conter o desenvolvimento chinês e, principalmente, de que o país tem condições de responder à pressão.

De fato, os chineses têm sinalizado ter mais munição, se necessário. Os jornais falam na possibilidade de o país restringir, para os EUA, exportações de terras raras, componente fundamental para a indústria de semicondutores. O gigante asiático detém 95% da produção mundial desses metais.

A imprensa também lembra que os chineses são grandes detentores de títulos da dívida americana e sugere que isso, eventualmente, poderia entrar em jogo.


Finalmente, os asiáticos também fazem referência aos lucros das empresas americanas no mercado chinês, muito superior aos de empresas chinesas nos EUA (US$ 380 bilhões, ante US$ 20 bilhões em 2018, segundo a imprensa). Há maneiras de, na prática, fazer muito mais difícil a vida das empresas americanas aqui.

Naturalmente, o governo chinês insiste em comunicar que não quer uma guerra comercial —mas, também pela mídia, faz saber que a China tem armas para usar.

Ameaças, contra-ameaças, ações e retaliações se combinam na guerra comercial. Há uma disputa de narrativas em curso —quem tem razão e quem não tem, quem tem culpa pelo impasse nas negociações, quem seria mais prejudicado pelo acirramento dos ânimos e quem teria mais cartas na manga.

No lado americano, há clima de campanha presidencial, um inimigo externo claramente identificado e um presidente que diz gostar de guerras comerciais. Na outra ponta, o tom conciliador vai claramente cedendo espaço a uma retórica nacionalista.

A julgar pelo que se lê em Pequim, os chineses estão se preparando para um longo período de rivalidade estratégica com os EUA, sabendo que, do outro lado do mundo, a pressão não vai diminuir tão cedo.

Tatiana Lacerda Prazeres

Senior Fellow da Universidade de Negócios Internacionais e Economia, em Pequim

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