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Luiz Guilherme Piva

As fintechs e os juros bancários

Startups financeiras tendem a ser complementares

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Ricardo Kalichsztein, da fintech Bom Pra Crédito, que hoje tem parceiros entre bancos e lojas varejistas - Marcus Leoni - 25.jan.18/Folhapress
 

Muita gente acredita, intuitivamente, que as fintechs (startups do setor financeiro) concorrem com os bancos e introduzem vetor baixista nos juros. Não é algo incompreensível. Afinal, elas oferecem crédito com mais rapidez e menos custos de intermediação.
 
Mas o raciocínio contraintuitivo sempre merece uma chance. E aqui ele nem é tão esotérico assim. 
Vejamos. As fintechs são parte da explosão de startups. Encontraram uma raia fértil e rentável, que são a dificuldade de acesso a bancos e os seus juros elevados. Mas elas: a) dispõem de poucos recursos para operar; e b) querem, como as startups em geral, ao se viabilizar, ser vendidas e fazer fortuna (o povão chama de “evento de liquidez”) para seus criadores. E onde elas captam recursos e para quem elas querem ser vendidas?

A primeira resposta é: na maioria das vezes, nos próprios bancos, como repassadoras, embora haja as que captam aportes (que podem, porém, também ser de bancos) e aplicações. A segunda é: sempre para os bancos. Se uma fintech mostrar que pode crescer e competir, será alvo deles. Há pelo menos um grande caso já ocorrido.

 Assim, elas tendem a ser não concorrentes, mas sim funcionais e complementares para os bancos, sejam como correspondentes, sejam como “locus” de “inovação aberta”, qualificando-se para serem incorporadas.

Além disso, os altos juros bancários no Brasil têm na origem, estruturalmente, os juros básicos do Bacen (Banco Central) —historicamente altos, mesmo com ciclos curtos de baixa. Isso lhes permite operar lucrativamente na dívida pública e definir um sarrafo caro para o crédito.

Não há como as fintechs combaterem esse mecanismo. Nem mesmo alguns grandes bancos estrangeiros conseguiram: juntaram-se aos líderes em práticas e preços, ou foram comprados por eles, ou voltaram às matrizes. Mas a concentração bancária (tendência típica do setor) facilita a prática de altos “spreads” (diferença entre os juros finais e os do Bacen). E, no Brasil, ela é muito acentuada: mais de 80% do crédito estão em cinco bancos. Portanto, mais concorrência efetiva ajudaria na oferta de crédito mais barato. Ocorre que a competição que as fintechs podem exercer é quase nula.

O volume de crédito para pessoas físicas no Brasil está perto de R$ 1,8 trilhão, e para empresas, perto de R$ 1,5 trilhão. Quanto disso é das fintechs? Não consegui dados exatos, mas seguramente não é muito mais do que um, que dois, que dez bilhões ou pouco mais. É ínfimo para representar ameaça. 

Que medidas, então, poderiam injetar alguma concorrência com efeitos nos juros? 

De um lado, retomada do crédito direcionado estratégico —infraestrutura, inovação, MPEs (micro e pequenas empresas) e sustentabilidade, por exemplo. Desde que a Selic e a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo, que era usada pelo BNDES) foram niveladas pelo alto, praticamente extinguiram-se os financiamentos produtivos a custos sensatos.

De outro, adoção de incentivos criteriosos —como em debêntures de infraestrutura e fundos de “private equity” e “venture debt”— ao mercado de capitais, que intermedeia recursos fora do mercado bancário. Hoje o círculo vicioso faz com que ele, modesto e pouco diversificado, também paute seus preços pelos altos juros dos bancos.

Enfim, se acreditarmos só nas fintechs, não há mistério. Os juros altos sempre haverão de pintar por aí.

Luiz Guilherme Piva

Economista, mestre (UFMG) e doutor (USP) em ciência política e autor de ‘Ladrilhadores e Semeadores’ (Editora 34) e ‘A Miséria da Economia e da Política’ (Manole)

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