Descrição de chapéu
Renato Janine Ribeiro

De cigarra a barata tonta

Quando tudo fica ruim, não sabemos o que fazer

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O ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro - Keiny Andrade - 5.nov.18/Folhapress

Desde que me conheço como gente, o Brasil viveu dois anos de depressão para cada ano de euforia.

Foram cinco anos de otimismo com Juscelino Kubitschek, quatro de “Brasil Grande” com Médici (não estou fazendo juízo de valor, apenas constatando!), um com Sarney no Plano Cruzado, quatro com o Plano Real, no primeiro mandato de FHC, e oito anos de inclusão social, somando muito de Lula e um tanto de Dilma. Dá 22 anos. Os outros 41 anos foram de pessimismo, desespero, beco sem rumo.

Essa conta levanta duas questões. Primeiro, deveríamos ter pós-doutorado em gerência de crises, não é? Porque dois terços desse tempo pós-Getúlio foi de crises. Não estou falando de economia, ou só de economia. Estou falando de postura, de atitude. Esse período começa logo após o suicídio de Getúlio, o fracasso dos primeiros golpes de direita, e se prolonga com a supressão da democracia, a inflação que vira hiper, até os dias atuais, de um país rachado e sem diálogo, quanto mais perspectiva comum.

Alguém conseguiria ter uma vida pessoal decente nessa gangorra de um (ano bom) pra cá, dois (anos ruins) pra lá? Se vivesse isso, caro leitor, você não teria dado um jeito de aprender a lidar melhor com as crises? Porque, cada vez que volta uma crise (o que é mais frequente do que a bonança), parece que só nos resta cantar “O meu mundo caiu”, como se nunca tivéssemos passado por isso antes. E tivemos 40 anos para aprender...

E você também não teria aprendido a aproveitar melhor os tempos de bonança? Esta é a segunda questão. Quando as coisas vão bem, nos portamos como a cigarra de La Fontaine. Cantamos (e a formiga depois dirá, no tempo de crise, cruel: “Você cantava? Agora dance!”).

Já quando as coisas ficam ruins, viramos baratas tontas. Ficamos perdidos. Não temos ideia do que fazer. Quando muito, depois de bater bastante a cabeça na parede, somos salvos pela cópia de um plano econômico bem-sucedido no estrangeiro ou por um boom de commodities.

Não utilizamos os períodos positivos para construir coisas realmente sólidas. Não produzimos um rumo sustentável.

Por quê? As respostas óbvias virão dos economistas, digamos, conservadores, que falarão da necessidade de privatizar, flexibilizar, globalizar. Mas também podem vir do lado progressista: faltou uma reforma política para empoderar os mais pobres, falta-nos uma cultura política explicando a complexidade da vida moderna, faltou consolidar os direitos humanos.

Mais que uma resposta, quero colocar perguntas. Por que alternamos entre favelas e palácios? Aeroportos e estádios reformados para a Copa do Mundo eram de luxo, por vezes, desnecessário (o estádio de Manaus, que nunca tem mais de 3.000 espectadores, foi construído para dezenas de milhares). 

Mas não é só o PT que age assim. Enquanto o Museu Paulista da USP, mais conhecido como Museu do Ipiranga, teve que ser fechado para não desabar, o governo do PSDB construía um charmosíssimo Museu do Futebol. Gosto dele. Mas não dava para, mais modestamente, termos museus, aeroportos, estádios decentes, à prova de fogo e de ruína?

Quantas vezes não vi gente, para substituir o que era indigno, projetando o luxuoso. Não poderíamos ter por meta o digno, nem lixo nem luxo?

Renato Janine Ribeiro

Professor titular de ética e filosofia política da USP, é presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e ex-ministro da Educação (governo Dilma, 2015); autor de ‘A Pátria Educadora em Colapso’ (ed. Três Estrelas)

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