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Militares soltos

Após libertação, pairam dúvidas sobre a segurança de sobreviventes e testemunhas

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Militares acertaram 62 disparos no carro em que estava o músico Evaldo Rosa dos Santos
Militares acertaram 62 disparos no carro em que estava o músico Evaldo Rosa dos Santos - Fabio Texeira/Reuters

É difícil encontrar justificativa para a ação da patrulha do Exército que matou o músico Evaldo Rosa dos Santos, em abril, no Rio de Janeiro.

Segundo o Ministério Público Militar, foram disparados 257 tiros de fuzil e pistola durante a ação, dos quais 62 acertaram o automóvel em que estavam a vítima, seu sogro, a mulher, o filho de sete anos de idade e uma amiga. Também morreu o catador Luciano Macedo, que tentou auxiliar a família.

Os militares agiram com flagrante despreparo, desconsideraram os protocolos de abordagem e assumiram que poderiam atirar para matar sem que sofressem ameaça —e, pior, sem que tivessem certeza de quem se encontrava no carro. 

Apenas uma lógica belicista poderia considerar natural que assim se procedesse caso os ocupantes fossem traficantes ou criminosos de outra natureza, ignorando-se por completo a possibilidade de rendê-los e prendê-los. 

Na quinta-feira (23), o Superior Tribunal Militar decidiu pela concessão de habeas corpus aos nove detidos acusados pelo crime.

Dez ministros deliberaram nesse sentido; registraram-se apenas um voto pela permanência da prisão preventiva e outros três favoráveis à libertação acompanhada de medidas cautelares.

O ministro José Barroso Filho propôs o recolhimento domiciliar dos acusados durante a noite, a proibição de porte de arma em atividades externas e o veto à participação em ações de Garantia da Lei e da Ordem —aquelas nas quais militares exercem papel de polícia.

Há sem dúvida argumentos jurídicos para embasar o habeas corpus, embora possam pairar dúvidas sobre a segurança dos sobreviventes e de testemunhas que deverão ser ouvidos pela Justiça. 

É natural, diante da brutalidade da ação e de casos de arbítrio policial e militar observados no dia a dia do país, que tais pessoas sintam-se intimidadas. Cabe ao Estado garantir que não sejam vítimas de agressões e ameaças. 

Não deixa de despertar apreensão o fato de que os autores dos disparos estejam sendo julgados pela Justiça Militar. Crimes dolosos cometidos por militares contra a vida de civis passaram a ser da alçada da Justiça comum em 1996, mas tal prescrição foi revogada em 2017 por lei sancionada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB).

O Congresso e o mandatário procuraram, com essa providência controversa, dar respaldo à atuação, nem sempre justificável, das Forças Armadas em operações de combate ao crime. Será uma lástima se a nova regra servir para que o espírito corporativo prevaleça sobre o rigor da lei e a imparcialidade que se espera dos tribunais.

editoriais@grupofolha.com.br

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