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Cristina Filizzola

Moda e imigração: quem produz nossas roupas?

É preciso repensar a forma como consumimos a moda

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Fiscal do Ministério do Trabalho observa bolivianos em condições degradantes de trabalho - Apu Gomes - 26.jun.14/Folhapress
Cristina Filizzola

Uma das maiores conquistas trabalhistas foi a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias. Esse regime laboral previne o desgaste excessivo dos trabalhadores e estimula uma maior qualidade de vida.

Porém, isso não é realidade para muitos imigrantes latino-americanos que chegam ao Brasil. Devido ao grau de vulnerabilidade social e econômica, muitos aceitam trabalhos precários, que configuram como escravidão contemporânea.

Em São Paulo, por exemplo, estima-se que vivam cerca de 400 mil imigrantes latino-americanos, muitos dos quais trabalhando em pequenas confecções de costura. Eles chegam a passar cerca de 15 horas por dia dentro das oficinas.

Esses empreendimentos, frequentemente informais, atendem ao consumo de roupas com baixo custo. Segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), 80% do consumo de roupas no país são provenientes de pequenas e médias confecções e só 20% vêm do grande varejo.

Não é difícil ouvirmos que os imigrantes não são bem-vindos porque ocupam vagas de trabalho de nossos compatriotas. Normalmente, esse discurso é direcionado àqueles que têm baixa escolaridade, menor poder aquisitivo e de origem negra ou indígena. Não se questiona, por exemplo, a “concorrência” de imigrantes brancos com alta escolaridade provenientes de países de origem europeia e norte-americana.


Dados da Polícia Federal apontam que, em 2018, a quantidade de brasileiros que saíram do país foi maior do que o número de pessoas de outras nacionalidades que entraram —252 mil migraram, enquanto apenas 94 mil imigraram. Apenas 0,7% da nossa população é de imigrantes, quantidade abaixo da média mundial, que é de 3%.

Em 2018, segundo o Instituto Ipsos, os brasileiros tinham uma percepção de que 27% da população era composta por imigrantes, apresentando uma das maiores distorções da realidade de todos os países pesquisados.

Aqui fica a reflexão: qual é a nossa responsabilidade como consumidor quando analisamos essa cadeia de consumo? Qual deveria ser a nossa postura ao receber esses imigrantes em nosso país?

Ao mesmo tempo em que muitas pessoas não querem receber esses imigrantes, continuam consumindo as roupas que eles produzem. São esses trabalhadores que pagam as contas quando há o consumo de, por exemplo, uma blusa de R$ 20 ou R$ 30.

Por conta disso, eles precisam trabalhar muitas horas por dia em condições e ambientes precários. É responsabilidade de todos apoiar iniciativas que recebam os imigrantes e os apoiem na inserção no mercado de trabalho de maneira digna, bem como repensar a forma como consumimos artigos de vestuário.

É possível promover relações justas de trabalho na moda por meio do empreendedorismo, da regularização das oficinas e da mudança na lógica de mercado e do consumo de roupas.

Cristina Filizzola

Psicóloga e coordenadora do programa Tecendo Sonhos, que promove relações de trabalho na indústria têxtil

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