Descrição de chapéu
Miguel de Almeida

O mal que Lula fez à centro-direita

Sempre presente na política brasileira, não parece capaz de alternativas

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O escritor e diretor Miguel de Almeida - Marlene Bergamo - 07.mai.19/Folhapress

Nem mesmo a polícia saberia responder: o que aconteceu com a direita brasileira? Sempre se falou dos rachas irreconciliáveis da esquerda —da luta armada à falta de autocrítica petista, tudo sempre foi motivo para discordâncias profundas. 

Mas a direita seguia em frente... Perdendo a sua essência, claro, os dedos também, até que houve a assunção de Lula e suas práticas ortodoxas chupadas à esquerda revolucionária —ou seja, danem-se os princípios, vale a causa. Sim, Lula não fez mal somente à esquerda. Se bem que tenho dúvidas tostineanas: foi Lula quem fez mal à direita ou foi a direita quem fez mal a Lula? 

A missão catequizadora da Lava Jato terminou por conduzir os eleitores ao desespero, dando a impressão de que todo o tecido político é corrupto e mal-intencionado. Você tinha Tasso Jereissati ou Henrique Meireles (salvou duas vezes o Brasil, certo?), mas a militância reacionária digital só vibrava com nomes emparedados por Curitiba. Digo que havia opções.

Ao ser abduzida pela conversa furada de Lula, a direita ideológica, confundida com a crassa direita arrivista e primária (Eduardo Cunha, Romero Jucá etc.), perdeu as calças. Em suas costas estão lançadas as questões de fundo anais e de tamanhos de coldres trazidas por Bolsonaro

À falta de imaginação da esquerda, transformada num cartório das corporações sindicais, se juntou o acanhamento da centro-direita, hoje uníssona sob a bandeira da reforma da Previdência. A agenda se concentra na questão das aposentadorias, embora o mundo desenvolvido discuta o 5G, a guerra tecnológica com a Huawei e o fim do emprego. O cenário pós-Segunda Guerra Mundial —carteira assinada, única profissão a vida inteira, missa aos domingos— pertence a quem cultiva um reacionarismo cevado no dízimo.

Bolsonaro exalta os bons tempos da década de 1970, saudoso da ditadura e de um mundo com começo, meio e fim. Os militares caíram por causa de sua politica estatizante (né, Dilma?) e pelo movimento das placas tectônicas da globalização —entre outros, a crise do petróleo, cujo preço do barril subiu 300% em poucos dias. Hoje, até os árabes (menos os petistas e bolsonaristas) sabem que o petróleo foi batido pela tecnologia, as fábricas prescindem de cada vez menos operários e os exércitos vão sendo substituídos por drones. Ano passado, havia um déficit de cerca de milhares de operadores de drones no exército norte-americano. E a política de segurança pública bolsonarista é baseada na bala, quá-quá-quá.

A centro-direita, sempre presente na política brasileira, não parece capaz de oferecer alternativas à extrema-direita ou à esquerda petista. Deveriam se espelhar nos europeus, onde parece haver um rompimento maior de paradigmas. Na década de 1980, o “mood” veio de Margaret Thatcher. Agora é dado por Angela Merkel. Se o grande mote da ultradireita são os imigrantes, ela peitou a todos ao recepcionar cerca de 1 milhão de estrangeiros esfomeados. Quase perdeu o cargo.

Semana passada, veio o troco. Uma política de capacitação dirigida aos imigrantes deu resultados no caixa. Empregados e falando alemão, já retornam em impostos o que receberam do governo. Detalhe: há ainda um déficit de cerca de 1 milhão de vagas abertas na Alemanha.

Miguel de Almeida

Escritor e diretor dos documentários 'Não Estávamos Ali para Fazer Amigos' e 'Tunga, o Esquecimento das Paixões', é autor de 'Primavera nos Dentes' (ed. Três Estrelas)

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