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Natalia Klein

Um pornô romântico

Como uma roteirista de comédia o escreveria?

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Natalia Klein - Criadora e roteirista da série “Adorável Psicose”, do Multishow, ex-roteirista de programas de humor da TV Globo e apresentadora do Prêmio Sexy Hot 2019
A atriz e roteirista Natalia Klein - Divulgação
Natalia Klein

Eu nunca fui de assistir a filmes pornôs. Há algo sobre um homem vestido de encanador e uma mulher bastante maquiada gemendo desproporcionalmente que não me passa muita verdade. Como daquela vez em que fui à casa de uma amiga que era colega de quarto de um cara com quem eu costumava sair. Ele estava com uma garota no quarto e, quanto mais alto ela gemia, mais eu pensava: “Amiga, eu já estive nesse quarto e não tem a menor chance no mundo disso aí estar tão bom”. 

Mas parece que o mercado está mudando. Tem uma mulherada produzindo e dirigindo uns filmes que vão além do clichê do encanador-feio-porém-bem-dotado e da mulher-sarada-do-gemidão-falsiane —o que é ótimo. Nada menos sexy do que close-ups de aparelhos reprodutores. É pedagógico, sem dúvida. E poderia até ser mais expressivo se, de repente, alguém colasse uns olhinhos e sobrancelhas. Por outro lado, é verdade que as mulheres estão cada vez mais desencanadas, transando sem compromisso e sem culpa. O que significa que as tramas dos filmes pornôs também podem estar se aproximando mais da nossa realidade. 

Eu, por exemplo, cresci assistindo a comédias românticas, filmes que romantizavam o sexo para as mulheres. Nessas histórias, o sexo era sempre uma ferramenta para se conquistar alguém ou um prêmio a ser guardado até a hora certa. Nesse sentido, é bom que surjam outras formas de se abordar a sexualidade feminina. Mas fico pensando no choque de universos que seria se uma roteirista de comédia romântica fosse chamada para escrever um filme pornô clássico.

Ato 1: É sexta à noite. Mulher descabelada, de pijama, assiste à Netflix. Campainha toca. É o bombeiro —meio nerd e desajeitado, mas até que gatinho. Ele veio consertar o aquecedor do chuveiro. É inverno, e a mulher não quer tomar banho frio. Ela liga o chuveiro para mostrar como não está esquentando. E ela quer que esquente. Muito. 

O bombeiro diz que faz mal tomar banho muito quente. A prima dele é dermatologista e fala que resseca a pele. A mulher agradece o conselho e pega o contato da prima do bombeiro. Ele realmente conserta o aquecedor, mas não sem antes derrubar algumas ferramentas no chão. Eles se abaixam para pegar ao mesmo tempo e batem as cabeças. Os dois se olham por um breve momento, até que ela pergunta se ele aceita cartão. Infelizmente, ele só trabalha com dinheiro ou cheque. 

Ato 2: No dia seguinte, ela manda uma mensagem. Ele responde, mas se empolga com os emojis, o que deixa a mulher um pouco confusa. Que raios querem dizer brócolis / bola de basquete / boné / pessoa lutando esgrima? Mas eles passam a semana se falando, até que finalmente marcam um encontro. 

Ato 3: É sexta à noite, o grande dia. A mulher está no banho, se preparando para encontrar o bombeiro. De repente, a água fica gelada. Ironicamente, ela precisa chamar seu “date” para consertar o aquecedor, que voltou a dar problema.

Campainha toca. É o bombeiro. Ele está gato. Ela está de toalha. A mulher comenta que marcou uma consulta com a prima dele. “Ah, que legal”. “Pois é”. “Legal”. Silêncio. 

Ele não conserta o aquecedor. Eles não saem mais de casa.

Natalia Klein

Atriz, criadora e roteirista da série “Adorável Psicose”, do Multishow, ex-roteirista de programas de humor da TV Globo e apresentadora do Prêmio Sexy Hot 2019, considerado o Oscar do pornô brasileiro

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