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Flavio Goldberg

Weintraub não representa o Povo do Livro

Postura anti-intelectual destoa da comunidade judaica

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O ministro da Educação, Abraham Weintraub - Reprodução
Flavio Goldberg

Reza a Constituição Federal a laicidade do Estado brasileiro. Esta tem sido uma das conquistas mais importantes do espírito democrático e republicano de nossa sociedade, superando as influências religiosas que sempre implicaram situações opressivas, estimulando conflitos de toda ordem.

Na realidade, o que se observa é a permanência de grupos sectários de várias tendências ideológicas pretendendo usar a cultura de acento místico brasileiro em favor de suas pretensões. Historicamente, vimos esses processos, por exemplo, com o desempenho da Liga Eleitoral Católica, seguida pela chamada Teologia da Libertação no catolicismo. E, mais recentemente, o crescimento vertiginoso da força do proselitismo de movimentos evangélicos, agrupando-se até em siglas partidárias.

Na última eleição —inclusive por influência da repercussão em nossa política exterior, que na era Lula se inclinou em favor da Palestina e contra Israel, a ponto de o então presidente ter se recusado a visitar o túmulo do criador do sionismo, Theodor Herzl, de maneira quase folclórica—, a questão da transferência da embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém se transformou em ponto de conflito entre as candidaturas de Fernando Haddad (PT) e de Jair Messias (que o nome signifique) Bolsonaro (PSL). Houve, ainda, o circo Ciro Gomes (PDT), agitando fantasmas dos “sionistas” que financiaram Bolsonaro, Padim Cícero e a guerra santa dos palavrões.

Tudo isso sob a influência da eleição de Trump nos EUA, fortemente aliado a Netanyahu, ambos com pragmática filosofia conservadora, emprestando um caráter maniqueísta às disputas eleitorais, o que reverberou em nosso país.

Nos comícios de Bolsonaro frequentemente surgiam bandeiras de Israel, e o imaginário de segurança do Mossad alimentou as ansiedades de segmentos de nossa população em relação ao crime.

Em contrapartida, bandeiras da Palestina substituíam demandas sensatas nos comícios do PT, em que se discutia a Faixa de Gaza com a paixão perdida pelos escândalos de corrupção, que levaram tantos de seus líderes à cadeia.

Agora, um hiato sociológico: entre as duas guerras mundiais, no leste europeu, principalmente na Polônia, os judeus acertaram com os governos uma forma constitucional de autonomia política, a Kehilá, erguida sobre as chamadas comunidades em que funcionava uma espécie de poder político-teológico com grau de estrutura independente. Estas comunidades tinham seus representantes e, muitas vezes, de forma confusa, o judeu “meio cidadão” (sic) se fazia representar no Parlamento e nos demais poderes enquanto tal.

No Brasil, coincidentemente no mesmo período, imitações toscas do modelo se repetiram. Na ditadura de Vargas e, posteriormente, organismos se criaram com a intenção justa de defesa contra o antissemitismo, mas, às vezes, dando ensejo a confusões capazes de alimentar o próprio preconceito em cima de ignorância e superstições. As grotescas manifestações de “o Brasil recebeu de brações abertos os judeus” e “vocês são muito bem-vindos” são expurgos de uma concepção discriminatória com a fantasia da benevolência.

Tudo para culminar no caricato comportamento do atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, que, segundo o presidente Jair Bolsonaro, foi “escolhido na comunidade israelita”. É o “Samba do Crioulo Doido”, de Stanislaw Ponte Preta, ou “Hava Naguila” —maluco de uma farsa a ser desmontada.

Nenhuma comunidade israelita escolheu o sr. Weintraub —nem poderia fazê-lo, se existisse como tal. Finalmente, e principalmente se há alguma característica singular ou consenso sobre judaísmo como Povo do Livro, o sr. Weintraub, que confunde o escritor judeu Franz Kafka com a saborosa cafta da culinária árabe, jamais seria uma representação, com suas esdrúxulas e arrogantes posturas anti-intelectuais.

Que este episódio bizarro e triste nos ensine uma lição: todos os brasileiros, sem exceção, umbandistas ou evangélicos, judeus ou ateus, brancos ou negros, homossexuais ou heterossexuais, não constituem grupos isolados de interesses conflitantes em relação à pátria. Portanto, “quem pariu Mateus que o embale”.

Flavio Goldberg

Advogado e mestre em direito

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