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Sólon Cunha

A relação entre apps de entrega e quem atua para eles deve seguir a legislação trabalhista? Não

Novo modelo de trabalho

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Sólon Cunha

Evidente que as empresas de aplicativos, aqui denominadas por mim de “apps”, geram empregos diretos e indiretos! 

Os apps contratam milhares de pessoas no Brasil: postos novos de trabalho, com tecnologia avançada e em desenvolvimento, nas mais distintas funções, até então inexistentes. Recolhem impostos. Propulsionam atividade econômica de respeito no mundo todo, com eventos de capital significativo. Alguns já chegaram ao topo, figurando entre as maiores empresas do mundo.

Os aplicativos de economia compartilhada, “gig economy”, aproximam usuários ou clientes de potenciais oportunidades. Seus algoritmos, acionados pela sociedade no mundo digital, permitem que o (a) motorista ou condutor (a) encontrem clientes cadastrados buscando por suas habilidades. O volume gerado quebrou barreiras históricas no mundo todo e nasceram novos hábitos de consumo e convivência.

O (a) “entregador (a)” não se enquadra na característica de “empregado (a)” dos apps. Nossa legislação trabalhista tem respaldo no modelo de contratação de trabalhadores em arcabouço piramidal de produção, com postos de trabalho definidos, horários estabelecidos e controlados, somada à dependência ao empregador único. Sem falar no local preestabelecido onde as relações de trabalho devam se desenvolver. 

O que distingue a relação de emprego das demais relações de trabalho é a ausência de subordinação e de habitualidade. Para alguns, a exclusividade também funciona como argumento residual de convicção. 

Os entregadores são pessoas independentes, não querem ter “chefe”, nem horário de atividade, muito menos local definido ao qual permaneceriam vinculados. Podem se cadastrar em várias plataformas e desvinculam-se da exclusividade. Podem parar de trabalhar na hora que bem entenderem. Viajam quando querem, mudam de cidade e podem ficar off-line o tempo que sua independência econômica permitir. Podem ter essa atividade como algo paralelo às demais atividades profissionais. São independentes. Portanto, não subordinados e tampouco habituais ao mesmo aplicativo. 

A expectativa é diferente da do empregado. Essa independência é valorizada pelos entregadores. Além disso, a lei os caracteriza como contribuintes voluntários ao sistema de Previdência Social (decreto 9792/19), ratificando essa independência na composição de sua renda futura.

Hoje, segundo estudo do Instituto Locomotiva, utilizando dados da Pnad, 5,5 milhões de brasileiros trabalham em aplicativos de transporte ou de entregas. 

A automação em massa também traz desafios para o modelo de trabalho que vigorou até agora, enquanto abre espaço para funções mais criativas.

Nos tempos de crise que assolou nosso país, condutores encontram nas plataformas um meio de complemento de renda ou até mesmo de sustento de suas famílias. E a grande maioria dos condutores utiliza as plataformas de forma autônoma e independente, como donos de seu negócio, podendo escolher os dias e horários que irão dirigir, e se irão dirigir. 

Nota-se que o enfrentamento de tais questões se mostra essencial, na medida em que num contexto global de inovação tecnológica e, consequentemente, surgimento de novos modelos de economia compartilhada, tais discussões passarão a ser cada vez mais frequentes. 

Cabe à sociedade exigir responsabilidade social dos apps, e não responsabilidade trabalhista. Essa é a nova regra da sociedade digital, na qual a reputação sobe ou desce na avaliação do “click”.

Sólon Cunha

Professor da Escola de Direito da FGV-SP, mestre e doutor em direito do trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

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