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Fernanda Penteado Balera, Letícia Marquez de Avelar e Samuel Friedman

Abandonados à própria sorte

Deixar para lá a prevenção é retrocesso lamentável

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Fernanda Penteado Balera, Letícia Marquez de Avelar e Samuel Friedman

No apagar das luzes do ano passado, 66 internos da Fundação Casa em São Paulo foram vítimas de agressões que, em tese, podem configurar o crime de tortura. No último mês, o governo do presidente Jair Bolsonaro esvaziou o incipiente MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura).

O MNPCT foi criado para cumprir o compromisso assumido pelo Brasil ao ratificar o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes da ONU. Ele é fundamental para mudar a realidade de violência no país em que a tortura ainda é prática corriqueira nos presídios, manicômios, centros de detenção e, especialmente, nas unidades de internação de adolescentes.

No caso dos 66 internos da unidade Casa Nogueira em dezembro, após meses de coleta de provas, fotos, laudos de exame de corpo de delito e oitivas judiciais, a Defensoria Pública de São Paulo ajuizou uma ação civil pública que busca responsabilizar o Estado e a Fundação Casa e aponta diversas medidas para reduzir a violência contra os internos.

Entre outros, a Defensoria pede mudanças no processo seletivo a fim de encontrar agentes que tenham perfil psicológico adequado para evitar reações violentas e criminosas; implementação de atividades periódicas de formação e treinamento com foco em técnicas de negociação e mediação de conflitos; a proibição de utilização de cassetetes, bastões e outras armas no interior da unidade; e a fixação de câmeras nos coletes dos agentes que atuam em casos de tumulto. 

Além da reparação dos danos, a ação pede que a fundação apresente pedido de desculpas públicas para que toda a sociedade tenha conhecimento das violações de direitos a que foram submetidos os adolescentes.

A violência praticada contra adolescentes privados de liberdade é especialmente grave quando lembramos que o ECA estabelece que a internação tem caráter socioeducativo, ou seja, além de inegável peso punitivo, seu objetivo é pedagógico. 

Qual o caráter pedagógico pode ter uma medida que resulta em gravíssimas lesões corporais e danos psicológicos aos adolescentes, sobretudo quando esses são praticados por aqueles que, por dever legal, deveriam protegê-los?

O MNPCT já havia visitado duas unidades da Fundação Casa em 2015, com uma série de recomendações ao estado de São Paulo. Com o desmonte do órgão e da própria atuação preventiva do Estado brasileiro para erradicação da tortura nos locais de privação de liberdade de adolescentes e adultos, casos como esse tendem a continuar ocorrendo ou até mesmo se multiplicarem.

O abandono da prevenção é um retrocesso lamentável e proibido no direito internacional. Resta uma crescente necessidade de buscar a reparação de danos dos adolescentes, de suas famílias e da sociedade, que o governo Jair Bolsonaro deixa desprezados à própria sorte. 

Se o Brasil honrasse o seu compromisso internacional de trabalhar firmemente para erradicação e prevenção da tortura, o cenário poderia ser outro.

Fernanda Penteado Balera, Letícia Marquez de Avelar e Samuel Friedman

Defensores públicos do estado de São Paulo

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