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Hussein Kalout

Comemorar, mas com moderação

País volta à liga principal do comércio internacional

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Hussein Kalout, cientista político e pesquisador da Universidade Harvard
Hussein Kalout, cientista político e pesquisador da Universidade Harvard - Lucio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados/Divulgacao

Manifestações de alegria pela conclusão do acordo Mercosul-UE são compreensíveis. É o primeiro acordo abrangente entre o Mercosul e um parceiro de peso na economia global. Além disso, tem o potencial de redefinir o perfil de inserção econômica internacional do Mercosul, garantindo uma lufada de ar fresco a um processo de integração que havia se desviado de sua vocação original de regionalismo aberto. 

A importância desse acordo não deve ser subestimada. No entanto, a sua assinatura não será a linha de chegada, mas a largada de uma corrida de longo curso da qual o Mercosul deixou de participar no passado, ao optar por um modelo de desenvolvimento voltado para dentro. 

Para que logremos terminar a maratona, será preciso utilizar a abertura e a incorporação de novas disciplinas previstas no acordo como alavanca para fomentar os investimentos e realizar reformas que permitam dar às nossas empresas condições para competir. O acordo não é uma panaceia, mas uma alavanca para colocar em marcha agenda mais ampla de competitividade.

É mérito do governo que manteve o tema como prioritário na agenda, no entanto, reivindicar crédito exclusivo pelo resultado não parece ser apropriado. Tampouco seria adequado afirmar que a atual política externa conseguiu em seis meses o que os governos anteriores não lograram em 20 anos. Essa narrativa é falsa em dois sentidos. 

Em primeiro lugar, sem o esforço realizado nos últimos anos, muito provavelmente o acordo não teria sido fechado. Os principais avanços que permitiram destravar as negociações ocorreram no governo Temer, que deixou o acordo com poucas pendências. Aliás, as equipes negociadoras da Economia e do Itamaraty são integradas —praticamente— pelos mesmos funcionários competentes que eram do governo anterior.

Em segundo lugar, é descabida a noção de que apenas um governo “antiglobalista” poderia alcançar esse resultado. Foi justamente por não levar a efeito a agenda ideológica “antiglobalista” que se fechou esse acordo, repleto de padrões e compromissos em meio ambiente e direitos humanos. 

Nesse sentido, o acordo estabelece um precedente para a atual política externa: quando o “antiglobalismo” fica de lado, resultados palpáveis podem ser obtidos, ao passo que a implementação das teses ideológicas, na sua vã luta contra moinhos de vento, tende a colocar a perder negociações importantes, causando prejuízos ao país.

Teria sido mais difícil concluir o acordo na ausência de outros fatores: o fim do mandato da Comissão Europeia, a falta de entusiasmo de Trump em negociação com a UE e o acirramento da disputa entre EUA e China, que serviu de estímulo adicional para que os europeus garantissem acesso ao mercado do Mercosul. Não obstante, há razões de sobra para comemorar, mas com moderação. 

O Brasil volta a jogar o jogo na liga principal do comércio internacional. Para terminar bem o campeonato e, sobretudo, evitar o rebaixamento, será preciso investir na qualidade de nossos jogadores, fazendo não apenas as reformas que coloquem as contas em ordem, mas que permitam baixar os custos de fazer negócios, desonerando a produção, garantindo infraestrutura de qualidade e investindo na educação, no treinamento e na inovação.

A negociação com a UE nos ensina que a adoção de padrões internacionais amplamente aceitos, longe de diluir a nação na suposta geleia do “globalismo”, constitui a melhor tradução do interesse nacional. 

Que esse resultado estimule o país a realizar as reformas necessárias e sirva de modelo na busca de resultados em outras frentes, isolando o efeito tóxico das posturas ideológicas para que possamos ter êxitos nas negociações para ingresso na OCDE e nas tratativas com outros parceiros importantes, como a China e demais membros do Brics, EUA, países árabes e a vizinhança sul-americana.

Hussein Kalout

Cientista político, professor de relações internacionais e pesquisador na Universidade Harvard; ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2017-2018, governo Temer) e ex-colunista da Folha

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