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Carlos Góes

Quem paga os custos da reforma da Previdência?

Dado utilizado para contestar proposta é falso

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Políticos e colunistas têm repetido um número para firmar sua oposição à reforma da Previdência: mais de 80% da economia gerada viria de quem ganha até dois salários mínimos (SM). Em distintos matizes, a utilização desse dado para argumentar uma suposta regressividade da proposta apareceu em comentários de Ciro Gomes, Gleisi Hoffmann e mesmo em texto que o economista Thomas Piketty assinou sobre a reforma. Mas há um problema: o dado é falso.

O erro dessa análise é tomar a parte pelo todo: como a maior parte da economia vem do regime de aposentadoria dos trabalhadores do setor privado (RGPS), em que a aposentadoria média é baixa, conclui-se que ela vem dos mais pobres. Ela ignora que a reforma preserva os benefícios daqueles que recebem menos.

A proposta aprovada pela Câmara retirou do projeto original mudanças previstas no Benefício de Prestação Continuada (BPC), na aposentadoria rural e na aposentadoria por idade que atingiriam precisamente os mais vulneráveis. 

Em particular, preservou-se aqueles que recebem um SM, que hoje são 63% do total de aposentados do RGPS. Para os aposentados pelo sistema rural —45% entre os que ganham até dois SM—, nada mudou. Além disso, aumentou-se a progressividade das contribuições previdenciárias, reduzindo-as para quem ganha até quatro SM.

Disso já se depreende que a afirmação de que mais de 80% da economia viria de quem ganha até dois SM, atribuindo-se toda a economia do RGPS a esse grupo, não é verdadeira. Entretanto é possível chegar a uma aproximação mais realista de qual proporção do ajuste recai sobre os mais pobres cruzando as estimativas de economia produzidas pela Instituição Fiscal Independente com os dados do último Anuário Estatístico da Previdência Social.

Aqueles que recebem até dois SM entre os beneficiários assistenciais, pensionistas e aposentados dos regimes geral e próprio da Previdência federal somam 81% do total. Mas os 19% que recebem mais de dois SM arcarão com 56% da economia. Isso deixa claro que houve um esforço deliberado de proteção dos mais vulneráveis, fazendo com que o peso proporcional do ajuste sobre quem ganha mais seja muito maior.

Para entender o caráter progressivo do ajuste é preciso compreender quais decisões protegeram os mais vulneráveis. Beneficiários assistenciais e aposentados rurais, que tendem a vir de famílias mais pobres e mais expostas à informalidade durante seu período ativo no mercado de trabalho, foram integralmente poupados. Aposentados por idade, que tendem a ter salários e aposentadorias menores em comparação aos que se aposentam por tempo de contribuição, também são impactados de forma limitada. 

A principal mudança da reforma —a imposição de uma idade mínima para aposentadoria— tem impacto muito reduzido sobre quem se aposenta por idade, pois eles já tendem a se aposentar em idade próxima ao limite imposto pela reforma. 

Essa realidade de progressividade se torna explícita quando calculada a economia em dez anos, por aposentado, para distintas categorias. A economia per capita para aposentados por idade (R$ 8.566) é 11% daquela advinda de aposentados do setor público (R$ 75.693). Para quem recebe até dois SM (R$ 11.519), é um quinto da gerada por quem recebe mais de dois SM (R$ 60.462).

Ou seja, os grupos que têm remuneração maior durante sua vida e aposentadorias maiores contribuem com uma proporção substancialmente maior da economia. Por isso, o argumento de que a reforma está pondo o peso do ajuste sobre os ombros dos mais pobres simplesmente não encontra guarida nos dados.

Algumas das objeções da oposição ao projeto original tinham mérito —mudanças no BPC, na aposentadoria rural e no tempo mínimo de contribuição para quem se aposenta por idade prejudicavam os mais vulneráveis. Contudo virtualmente todas essas objeções foram incorporadas ao projeto aprovado pela Câmara, tornando-o socialmente mais justo.

A resistência à reforma da Previdência não se justifica por uma suposta preocupação com os mais pobres. Ao contrário, essa resistência utiliza dados falsos para atingir objetivos políticos que nada têm a ver com a proteção dos mais vulneráveis.

Carlos Góes

Pesquisador-chefe do Instituto Mercado Popular, ex-assessor econômico especial da Presidência da República (governo Temer; 2017-18) e doutorando em economia pela Universidade da Califórnia

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