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Thiago de Sousa Barros

Um gigante com pés de barro: assim caminha a universidade no país

Ensino superior reflete bem as falhas ocorridas nas outras fases de formação

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Thiago de Sousa Barros, professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal de Ouro Preto
Thiago de Sousa Barros, professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal de Ouro Preto - Arquivo pessoal

Passei pela biblioteca da Universidade Federal de Ouro Preto e vi cartazes em defesa da nossa educação, pedra angular para o desenvolvimento de qualquer país. Como as primeiras páginas de "No Caminho de Swann", obra de Proust que abre a série "Em Busca do Tempo Perdido", descrevem um narrador invadido por uma enxurrada de memórias ao comer uma madeleine com chá, ao olhar para esse templo de livros estáticos e estudantes ávidos por conhecimento, minhas ideias entraram em ebulição.

Tivemos um ensino superior tardio, dado ao fato de Portugal restringir o acesso ao ensino universitário, diferentemente, por exemplo, da Espanha, que implantou universidades em suas colônias, com o intuito de produzir um contingente para suprir a demanda de cargos burocráticos (não à toa a primeira universidade das Américas foi fundada em 1538, em São Domingos). Por isso, no Brasil, no início do século 19, tínhamos apenas escolas de carreira (ginecologia, anatomia e formação de dentistas), instituídas por Marquês de Pombal, e, somente a partir de 1827, é que surgiram as faculdades de direito em São Paulo e Olinda.

Mas será que essa gestação tardia poderia ser a causa do nosso atraso? Mesmo sabendo que diversos países aperfeiçoaram suas matrizes educacionais e adquiriram know-how em 100 anos? Talvez o que Roberto Campos utilizava para mostrar que nossa pobreza “não pode ser vista como uma imposição da fatalidade”, e sim como resultado de um “mau gerenciamento e negligência na formação de capital humano”, justifique tais indagações.

Aliás, o ensino superior é apenas a ponta final de um longo processo educacional e reflete bem as falhas ocorridas nas outras fases de formação, especialmente a educação básica. Em Sobral, no Ceará, a educação ia de mal a pior até que um gestor público decidiu mudar a situação e elevou o município a destaque nacional. A política implementada fortaleceu a gestão escolar —a partir da seleção de diretores por méritos, em detrimento das indicações; a criação de uma escola de formação de professores; e a atribuição de incentivos salariais para eles a partir do desempenho dos alunos.

Outra parte da solução está na forma de financiamento, que atualmente é predominantemente público, enquanto universidades pelo mundo diversificam as formas de captação de recursos e estimulam a participação de capital privado, caso da união da British Petroleum e a Universidade de Berkeley para criar o Energy Biosciences Institute.

Avançando nessa seara, proponho um teste: entre na sala do curso de medicina de qualquer universidade federal do Brasil e verás que a grande maioria que ali se faz presente tem condições de pagar pela educação recebida. Por isso, com exceção daqueles de baixa renda e incapazes de financiar seus estudos, o Estado deveria cobrar matrículas e mensalidades — uma contrapartida pela boa formação ofertada, afinal na iniciativa privada eles não teriam um custo mensal de R$ 5.000? Esses recursos poderiam ser investidos na educação básica e até superior, modelo difundido em vários países.

Outro aspecto candente é a relação com o setor privado para desenvolvimento de tecnologias e pesquisas e financiamento de projetos. O Brasil, quando ousou aproximar empresas e universidades, obteve êxito: a sinergia entre Centro de Tecnologia da Aeronáutica e ITA, fulcrais para a gênese da Embraer; as parcerias entre Embrapa e universidades no agronegócio; as tecnologias criadas por UFRJ e Petrobras, em conjunto, para extração de petróleo em águas profundas; e o Impa, um expoente em ciências exatas que recebeu recursos do CNPq, BNDES e Finpe ao longo dos anos, além de ofertar cursos não gratuitos, e alçou Artur Avila à medalha Fields.

A soma dos fatores supracitados gera educação de qualidade. Talvez o maior problema do ensino superior não esteja exatamente nele, mas simplesmente na educação de base e seu efeito cascata. Um gigante com pés de barro, assim caminha a universidade no Brasil.

Thiago de Sousa Barros

Professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal de Ouro Preto, é doutor em administração de empresas (FGV)

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