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Barbara Gancia

Detox espiritual ao alcance de todos

Deixar o Facebook é como ir para uma ilha paradisíaca

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A jornalista e repórter do GNT Barbara Gancia em seu apartamento no Itaim Bibi, em São Paulo - Eduardo Knapp - 11.out.18/Folhapress

Na semana passada cometi “facebookcídio”. Quero crer que rompi definitivamente relações com Mark Zuckerberg, mas não ficarei surpresa se ele me aparecer lá em casa com aquela expressão de eletrodoméstico que lhe é peculiar.

Sempre pertenci ao grupo de cabeças frescas que não vê motivo para tomar atitude tão radical. E daí se o Facebook coleta meus dados? Não sou procurada pela Interpol. No fim das contas, achava eu, quanto mais eles soubessem de mim, mais aprimoradas seriam as sugestões de consumo que me enviariam.

Quem se importa se, nos últimos tempos, tenho cometido quase diariamente aquisições de quinquilharias chinesas que nunca usei? A Amazon tem meus dados desde 1996 e nunca me dei conta de que me encaixo na estatística de que dois terços das minhas compras no site são baseadas nas recomendações deles. Não me parecia relevante. Sou compulsiva mesmo, a culpa devia ser minha.

E como são enfadonhas essas estatísticas todas? Como a que aponta que a coleta de dados feita somente a partir dos “likes” pode revelar inclinação sexual, estado civil e eventual uso de drogas? Inclusive dizia a mim mesma que eu não tinha problema de uso abusivo de eletrônicos, mas, quando percebi, estava no fundo do poço precisando de ajuda para parar de dedicar o pouco tempo que ainda me resta minando meu espírito com inutilidades.

Lá tenho dia sobrando para saber se o meu amigo Ernesto, que não vejo desde o 5º ano, passou o feriadão em Águas de Lindoia? E quanto à responsabilidade social de não deixar Zuckerberg dominar o mundo feito vilão do filme do James Bond?

Você poderá dizer que saí da rede social com a mesma inocência de quem não percebe que o mundo já era e continuam separando o lixo só para atenuar a sua parcela da culpa.

Problema é que as coisas foram longe demais. Veja: a verdade, essa commodity hoje tão escassa, ainda por cima anda em baixa. Ela sempre foi minha ferramenta de trabalho e também obsessão pessoal, verdadeiro motor de vida. “Conhece a ti mesmo”, a meu ver, permanece sendo a recomendação mais importante de todas. No Facebook, a verdade tornou-se totalmente irrelevante. 

Isso não significa que minha alma seja mais nobre que a do vizinho. Continuei nas redes mesmo depois de tomar conhecimento via livros e documentários de que a interação de dados tem potencial altamente destrutivo.

Só que agora não há mais dúvida sobre a seriedade do problema. Sempre pensamos que “eles” estavam colecionando os números do nosso cartão de crédito, CPF e as imagens do Instagram para incitar nosso desejo de compra. Achávamos que Facebook, Google, Amazon etc. atuavam sobre nosso lado racional.

O susto das eleições de Trump, do indiano Narendra Modi, o cataclismo Bolsonaro e o brexit nos fizeram acordar. Um furo do Channel Four inglês, resultado de gravação escondida obtida por dois jornalistas (sempre eles, esses malvados), revelou ser não só possível, como totalmente eficaz, manipular o emocional dos usuários de rede social, principalmente do Facebook.

A coisa é tão perversa que levei duas horas para achar o caminho da saída do FB. No percurso, entre cliques e buscas, sofri repetidas ameaças. Chantagearam-me alertando que eu não conseguiria mais voltar se quisesse, que perderia acesso ao Pinterest e Instagram —foi como um passeio num trem fantasma digital.

Pois não cedi aos apelos do sr. Zuckerberg. Fugi sem olhar para trás. Pós “facebookcídio” sinto-me como se tivesse ido da Torre de Babel direto para uma ilha paradisíaca no Taiti. Detox espiritual melhor não há.

Mark Zuckerberg - Leah Millis - 10.jul.2019/Reuters
Barbara Gancia

Jornalista

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