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Filtro em ação

Queda de secretário federal da Cultura revela dirigismo obscurantista no setor

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Henrique Pires, ex-secretário especial de Cultura - Ronaldo Caldas - 3.jul.19/Ascom Cidadania

Ao deixar seu cargo na administração Jair Bolsonaro (PSL), acusando-a de tentar censurar a produção cultural, o agora ex-secretário especial da área Henrique Pires deu palavras àquilo que a prática governamental deixa patente.

Ilustra bem tal tendência autoritária e obscurantista o episódio que, segundo Pires, culminou em sua saída. Na quarta-feira (21), o Ministério da Cidadania, que absorveu a extinta pasta da Cultura, suspendeu um edital de chamamento de projetos para emissoras públicas de televisão que contemplava séries com temática LGBT.

De acordo com o ministério, a decisão resultou da necessidade de recompor o comitê gestor do Fundo Setorial do Audiovisual, responsável pela formulação dos editais para as produções financiadas com essa fonte de recursos.

A justificativa, entretanto, soa inevitavelmente como pretexto. Dias antes da suspensão, Bolsonaro havia criticado de forma enfática quatro projetos inscritos nas categorias “diversidade de gênero” e “sexualidade”, aprovados para a última fase do concurso.

Julgando as produções pelos títulos e sinopses, que não se enquadram no moralismo rudimentar de grupos que o apoiam, o chefe do Executivo posicionou-se contra a possibilidade de elas virem a receber o fomento estatal. Ataques dessa natureza, em especial ao setor audiovisual, têm sido rotineiros na atual gestão.

Há pouco mais de um mês, por exemplo, o presidente ameaçou fechar a Agência Nacional de Cinema (Ancine) caso não lhe fosse permitido impor um “filtro” para  o conteúdo dos projetos que fariam jus às verbas federais. Seu alvo então era o filme “Bruna Surfistinha”, que admitiu não ter assistido.

O edital recém-suspenso sugere que o filtro bolsonarista já está em ação na esfera federal. Para o ministro Osmar Terra, não se trata de censura. “Se vai envolver recurso público, nós temos o direito de opinar sobre temas que são importantes”, argumentou.

A afirmação denota um entendimento distorcido dessa política pública. O apoio do Estado à atividade está definido na legislação, que sempre pode, claro, ser revista e aperfeiçoada. Ao Executivo cabe zelar pela eficiência dos mecanismos de fomento, mas não intrometer-se no teor do que é produzido.

Dirigismos de todos os tipos têm efeitos deletérios. Na área cultural, submete-se a liberdade de expressão aos caprichos do governo de turno —violando, sobretudo, um princípio democrático inegociável.

editoriais@grupofolha.com.br

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