A três meses da realização do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, causa estupefação constatar que está vaga desde maio a diretoria responsável pela prova no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro (PSL), o cargo ficou sem titular por quase dois terços do período.
Cabe descrever como displicente a atitude do MEC com exame de tamanha complexidade logística, que já foi alvo de fraudes no passado e também de querelas ideológicas. Neste ano, são 5,1 milhões de inscritos espalhados pelo território nacional em busca de vagas em universidades federais e outras que utilizam o escore na seleção.
O ministro Abraham Weintraub, mais afeito a prodigalizar declarações agressivas e constrangedoras (mesmo em férias) do que a prestar contas de ações e omissões, atacou o mensageiro —no caso, esta Folha. Afirmou que a reportagem sobre a lacuna “induz ao terror” e que não há risco para a prova.
Não é disso de que se trata. O MEC deve satisfações ao público sobre o exame que até o presente recebeu mais atenção do governo federal pelos supostos conteúdos de esquerda. Tal fixação, que tem no presidente e em seus filhos os maiores arautos, contribui para erodir os próprios planos da pasta de modernizar a prova.
Weintraub anunciou há pouco mais de um mês que pretende digitalizar por completo o Enem até 2026, uma providência acertada. Isso facilitaria aplicar o exame mais de uma vez por ano, sem obrigar o secundarista a esperar 12 meses por uma nova chance de entrar numa instituição federal.
Para que múltiplas provas tenham graus comparáveis de dificuldade e possam assim discriminar de modo equânime o desempenho de estudantes em momentos separados, o banco codificado de questões precisa ser grande o bastante para dar robustez estatística ao certame. Esse sempre foi o calcanhar de aquiles do Enem.
Não bastasse a quantidade insuficiente de itens, o MEC trabalhou para diminuí-la ainda mais ao formar uma comissão para fazer o expurgo do que bolsonaristas consideram contaminação política, como temas de gênero e raça ou perguntas sobre a ditadura militar.
O ministro deveria dar publicidade sobre quantas e quais questões foram eliminadas. Como ele tem demonstrado que esclarecer a opinião pública de modo sereno e racional não figura entre suas prioridades, cabe qualificar a empreitada como uma forma de censura.
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