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Roberto Livianu

Nova lei de abuso de autoridade seletiva

Para que prevaleça o interesse público, é o caso de Bolsonaro vetar

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O promotor de Justiça Roberto Livianu, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção - Zanone Fraissat - 04.dez.18/Folhapress

Muita coisa mudou nos 54 anos da regra penal que define crimes de abuso de autoridade. Promotor há 27 anos, acho vital punir membros do Ministério Público, polícia e magistratura que abusem do poder. Mas não só eles. Todos que detenham poder devem ser controlados e punidos por eventuais abusos.

Deputados e senadores são autoridades e devem igualmente se submeter ao controle do uso do poder e ao império da lei, que jamais pode servir para autoblindagem. Mas, segundo o Latinobarómetro 2018, para os brasileiros, só 7% daqueles que detêm poder o usam para o bem comum, o que contribui para nossa horrorosa posição (105º, de 180 países) em matéria de percepção da corrupção, segundo a Transparência Internacional.

Neste cenário sombrio, foi aprovada na quarta-feira (14) a urgência de votação do PL 7.596 —urgência quase suíça para criar, sem possibilidade de resistência, um instrumento de constrangimento a juízes, policiais e Ministério Público,  que não pune parlamentares.

Ou seja, saúde pública, educação, saneamento básico e combate à corrupção não são prioridades. Mas, constranger magistrados, policiais e membros do MP, é. Registrando que, no universo dos deputados aprovadores, vários deles são investigados, processados ou estão condenados por corrupção e outros crimes.

Na sequência da surreal aprovação do pedido de urgência, contra o qual se posicionaram apenas 4 dos 33 partidos políticos, o projeto passou contendo diversas aberrações, bem como prevendo novas punições para condutas já punidas por leis em vigor, como o crime do artigo 28: divulgar diálogos indevidamente, hoje sancionada criminalmente pelo artigo 325 do Código Penal.

No artigo 30 fala-se em punir com um a quatro anos de prisão os promotores que derem causa a ações penais, civis ou inquéritos sem justa causa, cujo conceito é técnico e sujeito à interpretação. Ou seja, o promotor oferece a denúncia criminal, o juiz a recebe, considerando a acusação admissível e, se o Tribunal de Justiça conceder habeas corpus, interpretando diferentemente a lei, trancando a ação penal, o promotor, num passe de mágica, deixa de ser cumpridor de dever e vira criminoso, sujeito à mesma pena de um ladrão que furta. O mero pedido de prisão pelo MP é crime, e tudo isso fere o artigo 93, inciso IX da Constituição Federal (livre convencimento do juiz e do MP), consagrado pelo Supremo Tribunal Federal bem como a independência funcional destes (artigo 95 da CF).

De outro lado, se Marcola, líder do PCC, ficar bonzinho num deslocamento para o fórum, mas mesmo assim os policiais entenderem que devem usar algemas por sua óbvia periculosidade, visando proteger a sociedade, esses agentes corajosos estarão sujeitos à prisão nos termos do artigo 17. Algo que não existe em lugar nenhum do mundo. É quase a revogação da lei da gravidade.

Por outro lado, situações absurdas como aquela ocorrida na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, quando um deputado impediu que cidadãos ingressassem nas galerias para acompanhar a sessão, mesmo munidos de ordem judicial garantidora deste direito elementar, como se o prédio não fosse público, não são alcançadas pelo projeto.

Há diversos tipos penais abertos, violadores dos princípios da legalidade e taxatividade, tendo por alvo indisfarçável juízes, policiais e membros do MP —mesmo roteiro ocorrido na Operações Mãos Limpas italiana.

No sistema de freios e contrapesos, é caso de veto pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) para que prevaleça o interesse público, já que leis devem servir para melhorar a vida do povo —e não para amordaçar e garantir impunidade pela via  do constrangimento seletivo de quem cumpre o dever.

Roberto Livianu

Procurador de Justiça e doutor em direito pela USP, é idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

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