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Cesar Callegari

O 'chiqueirinho' de Paulo Guedes

Verbas educacionais não podem cair no jogo político

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O sociólogo Cesar Callegari, ex-secretário de Educação Básica do Ministério da Educação - Reinaldo Canato - 25.mai.17/Folhapress

 O ministro da Economia, Paulo Guedes, está propondo uma perigosa mudança na Constituição Federal ao eliminar os dispositivos que hoje garantem e direcionam recursos orçamentários para setores estratégicos, como a educação. Para ele, é preciso acabar com o que chama pejorativamente de “chiqueirinhos”.​​

O “chiqueirinho da educação” é instituído pelo artigo 212 da Constituição, que determina que a União aplique no ensino público pelo menos 18% de sua receita de impostos; já os estados e municípios, no mínimo 25%. Na educação básica, 40 milhões de crianças, jovens e adultos, seus 2 milhões de professores e suas 142 mil escolas dependem desse dinheiro, que, como sabemos, é insuficiente. Nosso investimento em educação (6% do PIB) está muito abaixo do que é preconizado pela Lei do Plano Nacional de Educação (10% do PIB), comprometendo qualidade e equidade.

​O gasto anual per capita na formação escolar de um jovem brasileiro (US$ 3.837) é menos da metade da média dos países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), de US$ 10.106. No Brasil ainda há 1,5 milhão de crianças e jovens fora da escola, e a remuneração dos professores é 30% mais baixa do que a de outros profissionais com a mesma formação.

Além disso, as iniquidades são gritantes. Apenas 14% dos alunos em condição de pobreza aprendem a ler ao final do ciclo de alfabetização, aos 8 anos de idade. Entre os jovens, só 9% dos que concluem o ensino médio têm conhecimentos adequados em matemática —essa taxa cai para 3% entre os mais pobres. Investir mais, melhor e com regularidade é a chave para o enfrentamento desses problemas. ​Graças ao fluxo regular de financiamento garantido por lei, temos conseguido avanços importantes.

Nossas universidades públicas cresceram, são muito melhores do que as particulares e quase tudo o que produzimos em ciência e tecnologia depende delas. Praticamente universalizamos o ensino fundamental e já ultrapassamos as metas de qualidade para os anos iniciais. Exemplos de êxito não faltam: as matrículas em creches dobraram nos últimos anos; o estado do Ceará é referência em alfabetização na idade certa; e Pernambuco se tornou um paradigma no ensino médio.

​Tudo isso só tem sido possível porque os gestores sabem que podem contar com o “dinheiro carimbado” da educação. E que, ao construir escolas e ampliar vagas, poderão contratar professores e matricular alunos, assumindo com eles responsabilidades duradouras e, até certo ponto, protegidas de oscilações e descontinuidades administrativas. 

A proposta de Guedes —ao dar total liberdade aos agentes políticos federais, estaduais e municipais decidirem, a cada ano, sobre o montante do orçamento a ser destinado para o ensino público— cria uma instabilidade de consequências catastróficas e pode reduzir ainda mais os recursos disponíveis para o setor.

Em um país onde alguns veem a educação, professores e pesquisadores como ameaças, não seria incomum ela ser preterida no jogo de interesses menores. Diante desse quadro, todo cuidado é pouco. Lembrando que nossa tradição de garantir pela lei os recursos básicos para a educação remonta do século 18 e só foi interrompida, sintomaticamente, nos períodos ditatoriais de Vargas e dos militares.

Garantias constitucionais não são “chiqueirinhos”. E autoridades governamentais devem tratar com mais respeito as conquistas sociais estabelecidas na Carta Magna. É necessário reagir. Governadores do Nordeste brasileiro já se manifestaram repudiando a iniciativa —e com razão. Nessa região há muitos municípios onde vivem as famílias mais pobres e que seriam duramente afetadas com o fim do suporte financeiro mínimo obrigatório para serviços públicos essenciais.

É preciso entender que educação é política de Estado, de longo prazo, e não apenas de governo. É direito, não uma mercadoria, e suas verbas não podem ser convertidas em moeda flutuante em disputas políticas de ocasião.​

​​Lutar por mais recursos e defender as vinculações constitucionais, mantendo e aperfeiçoando os mecanismos de distribuição, como o Fundeb (fundo para a educação básica), é tarefa prioritária para todos que se preocupam com a formação de nossas crianças e jovens e com o destino do Brasil.

Cesar Callegari

Sociólogo, ex-secretário de Educação Básica do MEC (2012-13, governo Dilma), ex-secretário municipal da Educação de São Paulo (2013-15, gestão Haddad) e autor de 'O Fundeb' (ed. Aquariana)

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