O ex-presidente do Uruguai José “Pepe” Mujica figura, merecidamente, entre os ídolos da esquerda latino-americana. Sua gestão à frente do país (2010-2015) foi marcada por bons resultados econômicos e notáveis avanços legislativos, como a descriminalização do aborto e a legalização da maconha.
Seu nome não surgiu em escândalos de corrupção e outros desmandos. Mujica não enriqueceu durante seu mandato nem depois.
Desde 1987, o ex-guerrilheiro tupamaro, hoje com 84 anos, dirige o mesmo carro, um Fusca azul celeste, e se recusou a ocupar o palácio presidencial, preferindo a modesta chácara nos arredores de Montevidéu onde planta crisântemos para vender em pequenos mercados.
Passados quatro anos desde o fim de sua passagem pela Presidência, o uruguaio exibe uma virtude ainda mais rara entre líderes de esquerda —dá mostras de que não é invulnerável aos fatos.
No último sábado, durante encontro partidário, o ex-mandatário classificou o regime venezuelano, sem meias palavras, como uma ditadura. “Na situação em que está, não há nada além de uma ditadura.”
Verdade que o encontro com a realidade chega com atraso —é difícil descrever de outra maneira o país caribenho desde 2017, quando Nicolás Maduro substituiu o Legislativo legitimamente eleito por uma assembleia farsesca.
Tampouco o diagnóstico de Mujica se dá sem cálculo político. A Frente Ampla, coalizão que comanda o Uruguai desde 2005, deseja livrar-se do fardo chavista no pleito marcado para outubro.
Entretanto outras organizações do mesmo campo ideológico, como o brasileiro PT, também passaram por processos eleitorais e nem por isso abandonaram o desatinado apoio a Maduro.
Ao contrário, o partido acaba de participar em Caracas de encontro do Foro de São Paulo, organização que agrega forças de esquerda da América Latina, em que os delegados manifestaram apoio à ditadura —repita-se— venezuelana.
Ainda que as motivações não sejam as mais puras, melhor que lideranças respeitadas como Mujica denunciem em alto e bom som o desfecho do socialismo bolivariano criado por Hugo Chávez.
Assim também o fizeram Daniel Martínez, que disputará a Presidência uruguaia pela Frente Ampla, e expoentes da esquerda colombiana, que estão perto demais da Venezuela para ignorar os desastres provocados por Maduro.
É mais que razoável se opor a qualquer intervenção militar estrangeira na Venezuela. A chancela a violações sistemáticas da democracia e dos direitos humanos, porém, configura cumplicidade.
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