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Roberto Dumas Damas

Presidente, desprezar o ambiente custa caro

Se governo não tratar preservação com seriedade, poderemos dar adeus ao grande investidor estrangeiro

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Roberto Dumas Damas
São Paulo

No mês passado, o governo Jair Bolsonaro comemorou a articulação de um acordo do Mercosul com a União Europeia, que poderá permitir, a médio e longo prazo, que os países signatários tenham um maior intercâmbio de mercadorias. 

Mas onde mora o perigo? Na agenda ambiental. 

Ao redor do planeta é evidente —e não despropositada— a preocupação com a preservação da Amazônia. Alemanha e Noruega, em especial, financiam projetos de preservação na região do país, além de ONGs, algumas bem conhecidas, outras nem tanto.

O governo Jair Bolsonaro vê nessa iniciativa um “viés ideológico” desacreditando as ações ali realizadas —ainda que algumas sejam questionáveis— sob o argumento de que “querem comprar a Amazônia”, entre outros lamentáveis posicionamentos.

Uma parte da população aplaude. Outra grita indignada. E lá fora a imagem do país sofre arranhões que não podem ser desprezados.

Diferentes veículos internacionais de grande porte e credibilidade destacam negativamente a devastação da Amazônia já como uma marca do governo Bolsonaro.

Recentemente, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apresentou um relatório em que admite um avanço sem precedentes do desmatamento na região da floresta amazônica.

Bolsonaro não hesitou: duvidou da credibilidade das imagens no documento e, por fim, demitiu o presidente do Inpe. Pareceu ato de um brilhante cronista do passado, Nelson Rodrigues que, diante da imagem do videoteipe na inesquecível Grande Resenha Facit, sentenciou, inapelável: “O videoteipe é burro”.

Diante desses sinais, o governo alemão, através do Ministério do Meio Ambiente local, decidiu suspender um repasse de € 35 milhões (R$ 155 milhões) para o desenvolvimento de projetos ambientais na Amazônia. O acordo, em vigor desde 2008, já levou € 95 milhões (R$ 425 milhões) para projetos de proteção florestal no Brasil.

Alemanha e Noruega também contribuem para o Fundo da Amazônia e somam 99% do total do financiamento.

Por ora, os valores enviados pelo Ministério da Cooperação Econômica alemão ainda não sofreram cortes. No total, os alemães já injetaram € 55 milhões ou R$ 245 milhões. 

A seguir, o governo norueguês se somou à Alemanha e represou recursos enviados para a preservação da mais famosa mata nativa do planeta.

Engana-se o presidente ou qualquer acionista de um projeto de infraestrutura com relevantes impactos ambientais que apenas o cumprimento da lei local seria suficiente para a aprovação e, mais importante, a aceitação por stakeholders envolvidos no projeto —sendo stakeholders consumidores, financiadores, ONGs, imprensa, trabalhadores, fornecedores, comunidades afetadas.

Em uma nova economia, as demandas justas de diversas partes interessadas —que vão além de uma licença ambiental— tornam necessário que a avaliação de projetos seja mais abrangente e complexa.

Afinal de contas, nenhum empreendedor, mesmo que cumprindo a lei básica —porém aquém das demandas dos stakeholders—, gostaria de ver seu nome em um boicote de escala nacional ou seu projeto parado por greves dos trabalhadores ou protestos noticiados pela imprensa doméstica e internacional. 

Isso poderia levar a um atraso na entrada em operação do projeto, com pesados impactos contracionistas no fluxo de caixa, na imagem da empresa e no preço de suas ações na Bolsa. Há, portanto, de avaliar os impactos de não atender padrões ambientais locais e internacionais.

Não nos enganemos: não se trata de nenhum modismo xiita para convencer audiências comovidas. É uma completa modificação no modus operandi de avaliação de projetos de larga escala, melhorando a qualidade da análise para mitigar impactos socioambientais, que se tornaram cruciais para garantir a sustentabilidade de qualquer projeto —inclusive a financeira.

Prova disso é o receio do setor de agronegócio em relação às recentes declarações do líder do Executivo. Goste ou não, há de se adequar as melhores práticas que atendam aos anseios dos consumidores finais —os importadores. 

Se ele não se sentir satisfeito com a diligência ambiental, de que adianta correr atrás da ambulância gritando a plenos pulmões que nosso país é soberano? Para quem venderemos nossos produtos agrícolas em caso de boicote por um ou mais países?

Cito ainda o acordo do Mercosul com a União Europeia. Ele ainda precisa ser formalizado pelos governos locais. Mas, diante da posição do presidente Bolsonaro a sugerir que o “desmatamento é uma fantasia esquerdista”, não será de todo surpreendente que entre as cláusulas desse acordo passe a ser contemplado o tema das compensações ambientais, esta sim fantasiosa por aqui e acolá. 

Se não atentarmos ao tema com a devida seriedade, poderemos dar adeus a grandes investimentos estrangeiros para alavancar nossa economia. 

Presidente: há imagens que valem por mil palavras. Ou por algumas boas extensões de terra devastadas. Logo, não despreze a questão ambiental. Isso nos custará muito mais caro do que o imaginado.
 

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