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Gustavo Loyola

Transferir o Coaf do Ministério da Economia para o Banco Central é uma decisão acertada? NÃO

Pode ser uma ameaça à independência da autoridade monetária

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O economista Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central por duas vezes - Bruno Poletti - 03.set.14/Folhapress
Gustavo Loyola

A transferência do Coaf, renomeado UIF (Unidade de Inteligência Financeira), para a órbita do Banco Central do Brasil foi um movimento desnecessário e arriscado.

Desnecessário porque o Coaf cumpriu bem as suas funções quando subordinado ao então Ministério da Fazenda, inclusive durante o período mais crítico da Operação Lava Jato, quando poderia ter sofrido pressões indevidas derivadas de investigações sobre autoridades públicas detentoras de mandato político. 

Manteve, desde a sua criação, a necessária isenção e profissionalismo, produzindo relatórios de inteligência financeira que foram essenciais ao deslinde de esquemas criminosos de variada natureza. A manutenção da isenção e da autonomia do Coaf foi assegurada principalmente pelo dispositivo legal que exigia que o órgão fosse composto apenas por funcionários públicos de carreira, cedidos por instituições como o Banco Central, a Receita Federal e a Polícia Federal, entre outros.

Arriscado porque traz para o Banco Central uma função que, embora de extrema relevância, é alheia às funções típicas de autoridade monetária. Desde a crise financeira de 2008, consolidou-se a ideia de que os bancos centrais devem ter como mandato duplo o controle da moeda e a estabilidade financeira. 
Para o exercício de tal mandato, os bancos centrais devem ser independentes, embora devam, de forma transparente, satisfações de seus atos às autoridades eleitas.

Numa democracia, o grau elevado de autonomia dos bancos centrais somente é possível em razão do escopo limitado de suas funções. De fato, o mandato político dado aos bancos centrais deve ser profundo e estreito, jamais, raso e largo. 

A vinda da UIF para o BC pode se tornar uma ameaça ao exercício independente das funções típicas de autoridade monetária, mesmo se lhe atribuída autonomia formal em lei. Há o risco de o BC se ver enredado em questiúnculas políticas que prejudiquem o exercício independente da política monetária.

Vale ressaltar que o fato de o sistema bancário ser o maior foco dos lavadores de ativos não implica necessariamente que a UIF deva se subordinar ao órgão supervisor dos bancos. Nessa função, cabe ao BC garantir que seus supervisionados cumpram adequadamente as normas de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD), inclusive no que diz respeito às comunicações tempestivas de operações suspeitas. 

Não lhe deve caber, contudo, o papel de centralizar tais informações, processá-las e transmitir conclusões a órgãos de repressão, como Polícia Federal e Ministério Público. São instâncias que trabalham coordenadas entre si, mas de forma autônoma. Não é por outra razão que o novo arranjo institucional adotado no Brasil é raramente encontrado no mundo.

Adicionalmente, a transferência do Coaf para o âmbito do BC pode suscitar riscos de ordem administrativa para ambas as instituições. Conforme o texto da medida provisória, a UIF se subordina ao BC, mas com ele não se confunde. O ineditismo na administração pública brasileira da criação de um ente semiautônomo ligado a uma autarquia tem o potencial de gerar no futuro dificuldades relevantes para a gestão de pessoal e orçamentária do Banco Central.

Não se quer aqui dizer que a atuação da UIF subordinada ao BC esteja fadada necessariamente ao insucesso. Porém, é difícil justificar essa transferência casuística e potencialmente perigosa, no momento, aliás, em que o governo tem diante de si tarefas complexas muito mais urgentes e necessárias ao país.

Gustavo Loyola

Ex-presidente do Banco Central (1992-93, gestão Itamar Franco; e 1995-97, gestão FHC), doutor em economia pela Fundação Getulio Vargas e sócio da Tendências Consultoria Integrada

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